Histórico e análise da Teoria do Direito Penal do Inimigo

Saiba como surgiu a Teoria do Direito Penal do Inimigo, quais são as principais características, função e críticas à teoria!
Direito penal do inimigo: homem jovem estudando

Ricardo Andreucci*

O conceito de Direito Penal do Inimigo, formulado pelo jurista alemão Günther Jakobs, constitui um dos temas mais controversos e debatidos na teoria penal contemporânea.

Este artigo busca abordar, de maneira crítica e abrangente, os principais aspectos dessa teoria, suas características fundamentais, quem são considerados inimigos no âmbito penal, a função da pena segundo essa teoria e a relação entre o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e o Direito Penal do Inimigo. Confira!

Como surgiu a teoria do Direito Penal do Inimigo?

Günther Jakobs, professor de Direito Penal na Universidade de Bonn, Alemanha, foi o idealizador da teoria do Direito Penal do Inimigo. Sua formulação baseia-se em diversas correntes filosóficas do contrato social — Rousseau, Kant, Hobbes e Fichte, dentre outros.

Deste modo, busca-se justificar a exclusão dos direitos de cidadania daqueles que rompem com o contrato social. Jakobs defende que, em situações de extrema ameaça à ordem social, é necessário um sistema penal que vá além das normas garantistas tradicionais para proteger a sociedade.

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Principais Características do Direito Penal do Inimigo

O Direito Penal do Inimigo se caracteriza por tratar de maneira diferenciada os indivíduos que, segundo a teoria de Jakobs, rompem de forma definitiva com o contrato social. 

Esses indivíduos, ao se afastarem de forma duradoura do direito, são tratados não como cidadãos, mas como inimigos do Estado. As principais características da teoria do Direito Penal do Inimigo incluem:

  • Adiantamento da punibilidade: A antecipação da intervenção penal ocorre antes mesmo da realização de um delito, com o objetivo de prevenir ações futuras consideradas perigosas.
  • Penas altas e desproporcionais: As penas são severas e desproporcionais em relação ao crime cometido, visando principalmente à prevenção e não à punição retrospectiva.
  • Redução de garantias processuais: Há uma relativização ou até supressão de certas garantias processuais, justificando-se pela necessidade de proteção do Estado contra aqueles que são vistos como uma ameaça constante e iminente. 

Quem é o Inimigo no Direito Penal?

Segundo Jakobs, o inimigo é aquele que decidiu se afastar de maneira definitiva da ordem jurídica, tais como os membros de organizações criminosas e os grupos terroristas. Esses indivíduos são vistos como uma ameaça contínua ao Estado de Direito e, por isso, não podem ser tratados como cidadãos com direitos garantidos. 

O conceito de inimigo implica uma posição em que o indivíduo é considerado fora da proteção das normas que regem a convivência social e os direitos fundamentais.

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Qual a função da Pena no Direito Penal do Inimigo?

No Direito Penal do Inimigo, a função da pena não é somente uma retribuição pelo delito cometido, mas sim a prevenção de futuros crimes. 

A pena é aplicada como um meio de neutralizar o inimigo, impedindo que continue a representar uma ameaça para a sociedade. Essa abordagem prospectiva visa a segurança e a estabilidade social, em detrimento de princípios tradicionais como a proporcionalidade e a culpabilidade.

A relação entre o RDD e o Direito Penal do Inimigo

No contexto brasileiro, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), estabelecido pela Lei 10.792/03, é frequentemente associado aos princípios do Direito Penal do Inimigo. O Regime Disciplinar Diferenciado foi criado como medida de segurança extrema para lidar com indivíduos considerados altamente perigosos dentro do sistema prisional. 

No Regime Disciplinar Diferenciado, os detentos são submetidos a condições de reclusão mais rigorosas, incluindo isolamento prolongado e restrições adicionais de contato e comunicação com outros detentos e com o mundo exterior[1].

Embora o RDD tenha sido concebido com o propósito de conter a atuação de líderes de facções criminosas e outros indivíduos que representam uma ameaça significativa à segurança pública, sua implementação tem sido alvo de críticas por parte de defensores dos direitos humanos. 

Muitos argumentam que o RDD viola garantias fundamentais dos presos, como o direito à integridade física e psicológica, além de perpetuar um ciclo de violência e desumanização no sistema prisional.

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Críticas ao Direito Penal do Inimigo

Apesar de sua suposta eficácia na prevenção de crimes graves, o Direito Penal do Inimigo enfrenta críticas substanciais de diversos setores da comunidade jurídica e acadêmica. Algumas das críticas mais comuns incluem:

  • Estigmatização e discriminação: A categorização de certos indivíduos como “inimigos” pode levar à estigmatização e discriminação de grupos específicos, reforçando estereótipos negativos e exacerbando desigualdades sociais.

    Estigmatização e discriminação: A categorização de certos indivíduos como “inimigos” pode levar à estigmatização e discriminação de grupos específicos, reforçando estereótipos negativos e exacerbando desigualdades sociais.
  • Risco de abusos estatais: A ampla margem de discricionariedade concedida ao Estado na identificação e tratamento de supostos inimigos pode abrir espaço para abusos de poder e violações dos direitos humanos.
  • Erosão dos princípios democráticos: A adoção de práticas punitivas excessivamente severas pode minar os fundamentos democráticos do Estado de Direito, comprometendo a igualdade perante a lei e a presunção de inocência.
  • Falta de evidências empíricas: Muitos críticos argumentam que as políticas baseadas no Direito Penal do Inimigo carecem de fundamentação empírica sólida que comprove sua eficácia na redução da criminalidade grave. A ênfase excessiva na punição severa pode desviar recursos e atenção de abordagens mais preventivas e de longo prazo.
  • Potencial de criminalização de dissidência: A ampliação do escopo do Direito Penal do Inimigo pode resultar na criminalização de atividades políticas legítimas e na supressão de vozes dissidentes. Isso levanta preocupações sobre o uso político e seletivo do sistema legal para reprimir oposição e contestação.

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Considerações sobre a Teoria do Direito Penal do Inimigo

O Direito Penal do Inimigo, concebido por Günther Jakobs, surgiu como uma resposta teórica às novas formas de criminalidade e ameaças à segurança pública no mundo contemporâneo. 

Embora, de um lado, ofereça uma abordagem robusta para lidar com situações extremas, de outro, levanta questões éticas e legais significativas que continuam a alimentar debates intensos entre juristas, acadêmicos e defensores dos direitos humanos.

É necessária uma discussão séria sobre a viabilidade e a ética do Direito Penal do Inimigo, buscando o desenvolvimento de políticas penais que equilibrem segurança e justiça, refletindo os valores fundamentais de uma sociedade democrática.

Portanto, evita-se que o Estado de Direito se transforme em um Estado de exceção permanente, onde o temor da criminalidade justifique a supressão de direitos fundamentais.

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[1] ANDREUCCI, Ricardo A. Manual de Direito Penal. 16ª Edição. São Paulo: Saraivajur. p. 116.

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