Entender como funciona a mediação e os demais mecanismos de solução de conflitos é parte fundamental da preparação para a maioria das carreiras jurídicas no Brasil, seja na fase dos concursos ou para os já aprovados, que irão colocar a matéria em prática.
O último levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Justiça em Números revelou que, em abril de 2022, havia 76.600.070 (setenta e seis milhões, seiscentos mil e setenta) processos em trâmite no Brasil.
Esse dado é revelador no sentido que justifica, em parte, a morosidade do judiciário brasileiro e a evidente necessidade de desafogar os Tribunais, sem deixar, é claro, de oferecer solução efetiva para os processos e partes envolvidas.
Neste artigo, iremos tratar de uma das soluções de conflitos alternativas propostas pelo Conselho e adotada no direito processual civil: a mediação. Tenha uma ótima leitura!
O que é mediação?
A mediação é um método alternativo de solução de conflitos, em que as partes são convidadas a expor seu pensamento com o objetivo central de solucionar as questões relevantes (e de natureza jurídica) de modo cooperativo e construtivo.
Para o mediador Caetano Maia, mediação pode ser definida como:
“um processo de resolução de conflitos e disputas, confidencial, voluntário e flexível, em que os envolvidos são assistidos por um terceiro imparcial, o mediador. As decisões advêm dos próprios mediandos e levam em consideração suas necessidades e interesses reais. O mediador apenas facilita, estrutura e coordena o diálogo, utilizando-se de habilidades e técnicas específicas para tal fim.”
Na mediação, cria-se a oportunidade de falar com profissionais especializados, com o objetivo de obter assistência para a realização de um acordo, sem que seja despendido o esforço emocional e financeiro que, invariavelmente, existe em um processo judicial.
Ademais, como pontua a advogada Daniele Anjos, “a mediação acaba com a imprevisibilidade do desfecho do processo e concede às partes o tempo necessário para alcançar a solução de seus problemas cuja resolução, às vezes, está além da capacidade de decisão do Juiz.”
Mediação extrajudicial
Embora seja bem conhecida a figura da mediação judicial, que ocorre dentro de um tribunal, antes ou durante um processo, é interessante frisar que há a possibilidade de que o método seja aplicado fora do âmbito do judiciário – que é o caso da mediação extrajudicial.
A mediação extrajudicial poderá ser acionada para homologação de eventual acordo que verse sobre direitos indisponíveis.
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Quais são os princípios da mediação?
Segundo o art. 2º da Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação) – que replica o art. 1º, do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais do CNJ, a mediação será orientada pelos seguintes princípios:
- Imparcialidade/neutralidade do mediador;
- Isonomia entre as partes;
- Oralidade;
- Informalidade;
- Autonomia da vontade das partes;
- Busca do consenso;
- Confidencialidade;
- Boa-fé.
Confira a seguir:
Imparcialidade/neutralidade do mediador
Determina que o mediador proceda de forma isenta de vinculações de qualquer tipo com qualquer das partes, bem como se abstenha de tomar partido em qualquer momento do procedimento de mediação.
Isonomia entre as partes
Para que haja um desfecho harmônico entre os envolvidos é necessário ter cuidados ao tratar as partes de forma igualitária, propiciando os mesmos critérios de participação e as mesmas oportunidades durante a mediação.
Oralidade
Trata da importância da comunicação entre todos os envolvidos. Nesse ponto, o sucesso do diálogo entre as partes e o mediador, garante o bom andamento da mediação.
Informalidade
Garante a ausência de procedimentos e regras fixas, devendo seguir as normas estabelecidas na mediação, obviamente respeitando a lei vigente.
Autonomia da vontade das partes
Trata do procedimento consensual. Isto é, o direito das partes decidirem sobre os seus destinos, manifestando suas escolhas, respeitando o ordenamento jurídico.
Busca do consenso
Busca do diálogo construtivo evitando a competitividade entre as partes, favorecendo-as e objetivando ganhos mútuos.
Confidencialidade
Por esse princípio se estabelece que as informações constantes nas comunicações realizadas na autocomposição não poderão ser comentadas fora da mediação, nem poderão ser apresentadas como provas no eventual julgamento do caso, nem em outros processos judiciais, se houver.
Portanto, o mediador não pode servir como testemunha acerca de fato relacionado com seu ofício. Vale lembrar que a eficiência do mediador está relacionada à confiança que as partes depositam nele e à segurança de que nada poderá ser utilizado como prova em um processo judicial.
Boa fé
As partes devem agir com lealdade, honestidade, sinceridade, justiça, comunicação e cooperação, estendendo-se também aos mediadores, a fim de que os procedimentos aplicados sejam produtivos e justos.
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Quem são os mediadores?
O Mediador é um especialista em determinadas técnicas de negociação e comunicação. Atua como um terceiro imparcial e costuma ser indicado pelas partes envolvidas no acordo.
A função desse profissional não é a de propor soluções, mas de intermediar e facilitar o diálogo entre as partes que estão em desacordo.
Sobre o assunto, Caetano Maia pontua que:
“o mediador é aquele que auxilia os envolvidos em conflito a melhor compreenderem a natureza do problema que vivem, fazendo-os ver que conflito é algo normal e corriqueiro nas relações humanas, e que há um modo subjetivo e individual/único de se ver as situações – perspectiva individual – que depende do contexto ou circunstância, das experiências vividas, e este modo é descrito pelos sujeitos através de suas próprias narrativas. Ao tomar consciência de seus impasses é que soluções para ambos os lados são encontradas e os conflitos se tornam mais positivos, podendo ser mais bem administrados pelos mediandos.”
Quais são os requisitos para ser um mediador?
Confira, a seguir, quais são os requisitos para ser um mediador!
Mediação Judicial
Em casos de mediação judicial, o mediador deverá ser:
- Pessoa capaz;
- Graduado há no mínimo dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação;
- Com capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos tribunais nos termos do art. 11 da Lei de Mediação.
É interessante pontuar que poderão ser mediadores pessoas graduadas em qualquer área de atuação, não apenas os bacharéis em Direito.
Mediação Extrajudicial
Na mediação extrajudicial, por outro lado, o mediador precisa, apenas, ser pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se, como previsto no art. 9º da mesma Lei.
Desde 2018, diversos Tabelionatos de Notas e Cartórios de Registros têm oferecido o serviço de mediação, quando essa possibilidade foi prevista pelo Provimento 67 do CNJ. Nesse caso, um funcionário da Serventia, seja ele o Tabelião ou não, deverá se capacitar para realizar a mediação, como previsto no art. 9º supracitado.
Notadamente, é mais uma forma de facilitar o acesso à mediação, tendo em vista que, em que pese não se encontrem Câmaras de Mediação nos lugares mais afastados do país, os serviços cartorários são de mais fácil localização, pela própria natureza de suas funções.
Qual a diferença entre mediação e conciliação?
Como visto, tanto a mediação quanto a conciliação são considerados métodos alternativos – ao litígio – de solução de conflitos.
A principal diferença está consignada no art. 165 do Código de Processo Civil de 2015, senão vejamos:
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
É de se notar que a mediação será o método mais indicado quando já há relação pretérita entre as partes e que, provavelmente continuará existindo após a demanda.
Dentre as possibilidades de situações em que a mediação é indicada, destacam-se, as seguintes:
- Familiares: situação em que majoritariamente há divergências envolvendo ajustes na dinâmica familiar, seja de ordem afetiva ou financeira. Exemplos: ações de guarda, convivência, alimentos, inventário e partilha de bens, etc;
- Empresariais: caso de disputas dentro de uma empresa, como dissolução de sociedade, recuperação judicial, negociação de contratos, aditivos contratuais, etc;
- Vizinhança: casos em que haja desavenças entre vizinhos de uma determinada região, ou mesmo de um condomínio, relativas a regras, reclamações, desavenças, inadimplência, etc.
A conciliação, por sua vez, é recomendada em casos em que não haja relação pessoal entre as partes, como as demandas de natureza consumerista, por exemplo.
Ademais, como pontuado acima, a mediação poderá demandar mais de uma sessão, ao contrário da tentativa de conciliação que, via de regra, acontece em uma única audiência judicial.
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Como funciona o procedimento da mediação?
Norteados pelos princípios listados anteriormente, que deverão ser pontuados e esclarecidos pelo mediador, as partes deverão assinar um termo de compromisso de mediação, que estabelecerá como o procedimento será conduzido.
Via de regra, a mediação segue as seguintes fases:
- Abertura;
- Mapeamento do conflito;
- Agenda;
- Verificação dos interesses e necessidades;
- Identificação de soluções criativas;
- Filtro das opções e propostas;
- Solução.
Compreenda a seguir como funciona cada fase do procedimento:
1. Abertura
O mediador inicia o procedimento com uma fase de abertura relembrando os princípios da mediação, como funcionará e se organizará o procedimento, de forma a garantir igual atenção das partes e zelar pela isonomia e imparcialidade do procedimento.
2. Mapeamento do conflito
Em seguida, o mediador convida as partes a exporem o conflito, cuidando para que cada uma tenha o mesmo tempo e oportunidade para falar, mapeando o conflito para estabelecimento de uma agenda.
3. Agenda
Em conjunto com as partes são verificados os pontos de uma agenda com as questões a serem tratadas na mediação.
4. Verificação dos interesses e necessidades
Depois todos conduzem a um diálogo focado na agenda acordada, atentando-se para os reais interesses das partes.
Durante a organização dos trabalhos, o mediador emprega suas técnicas de espelhamento, resumo, escuta ativa, afastamento, empatia, acolhimento, teste de realidade, visão positiva, dentre outras.
5. Identificação de Soluções criativas
Identificados interesses das partes, estas são convidadas à reflexão de soluções criativas que possam atender interesses e necessidades.
6. Filtro das opções e propostas
Em seguida para a análise das soluções levantadas são aplicados filtros objetivos e subjetivos do que é ou não viável, além de testes de realidade para que as partes vejam a viabilidade das alternativas encontradas.
7. Solução
As partes constroem ou não a proposta de acordo, sendo elas as protagonistas da decisão.
Normalmente, as sessões têm 1 hora de duração, podem ser realizadas com ambas as partes ou de forma individual e podem ser remarcadas quantas sessões forem necessárias. Em média, a mediação carece de duas a três sessões para que se alcance uma solução.
Como entra a mediação na legislação brasileira?
Embora seja velha conhecida de sistemas judiciários mundo afora, a mediação só ganhou mais atenção no Brasil em 2015, com a edição pelo Conselho Nacional de Justiça da Resolução nº 125, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.
Trata-se do primeiro grande esforço do Poder Judiciário para dar encaminhamento mais adequado e célere às demandas que, desnecessariamente, abarrotavam os Tribunais brasileiros há décadas.
O Poder Legislativo, por sua vez, reconhecendo a necessidade de se diminuir a cultura litigiosa do Brasil, contemplou a mediação por lei ordinária apenas quando da publicação e entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105/2015) e, em sequência, da Lei de Mediação (Lei 13.140/2015).
É de se reconhecer que ambas as Leis foram promulgadas com afã muito mais colaborativo e com o objetivo de dar protagonismo a quem de direito e de interesse: às partes, que só têm a ganhar com o diálogo e efetividade que a mediação oferece.
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