Você conhece o “Efeito Tiririca”? Saiba como funciona o quociente eleitoral!

Compreenda como alguns candidatos eleitos levam vários outros “de carona”
Quociente Eleitoral: Político de máscara

Texto escrito por Marisa Amaro. Advogada Eleitoralista e Editora Jurídica, e apresentadora do podcast Bom Saber.

Quociente eleitoral, quociente partidário, voto de legenda, voto nominal, cláusula de barreira, cláusula de desempenho, sistema proporcional, “efeito Tiririca”…

O significado dessas expressões, além de seus efeitos no mundo das eleições e da política, geram debates entre os profissionais que atuam com Direito Eleitoral e Ciência Política. E, como não poderia deixar de ser, na imprensa e no meio político. 

Também viram notícia. Geram dúvidas. Curiosidade. E isso é importante: as consequências práticas dos métodos e sistemas relacionados à forma como nós, a cada eleição, escolhemos os nossos representantes, nos dizem respeito.

Essas consequências têm a ver com o cidadão comum. Têm a ver com toda a população, eleitora e não eleitora. É salutar o crescente interesse por matérias relacionadas à política, aos sistemas eleitorais, ao governo.

Neste texto, vamos explicar o significado dessas expressões. Mas, antes, é preciso dizer que o tema tem a ver com umas das bases do regime democrático: o sistema representativo de governo.

Foto de Marisa Amaro

Qual é a base de nosso regime democrático?

A Constituição Federal diz que o poder nasce, emana do povo. Esse princípio é base do regime democrático e determina que o poder político, o poder de ditar os rumos do país é, por direito e por princípio, nosso. 

Mas, como a democracia direta é inviável, temos um sistema representativo de governo e os políticos, mandatários eleitos, ocupam os espaços de comando dos municípios, do estados, do país, atuando em nosso nome. E é necessário que assim seja. 

A mesma Constituição que diz que o poder emana do povo, esclarece que esse poder é exercido por representantes eleitos. E, dos três poderes constituídos, dois deles têm representantes eleitos pelo voto popular: o poder legislativo e o poder executivo.

O que são os sistemas majoritário e proporcional?

Os sistemas majoritário e proporcional são métodos de preenchimento de vagas nesses dois poderes. 

Sabemos que essas vagas são preenchidas por meio de eleições diretas, mas, como? O que é sistema proporcional? O que é sistema majoritário? 

Aqui tratamos, portanto, de conceitos interligados, relacionados às eleições. São parte do sistema eleitoral e, para saber o que é o tal “Efeito Tiririca” que dá nome a este post, é preciso saber o que é sistema proporcional, método proporcional ou eleição proporcional, como é mais conhecido.  

E, para entender o que é sistema proporcional, é bom saber, primeiro, o que é sistema majoritário, método majoritário ou eleição majoritária, quem são as pessoas eleitas pelos dois métodos e para quais tipos de cargos eletivos.  

O que é o sistema majoritário?

No Brasil, os representantes no poder executivo (que são os prefeitos, os governadores, o presidente da república e os respectivos vices) são eleitos pelo sistema majoritário. Os senadores também, embora pertençam ao poder legislativo. 

Pelo sistema majoritário, é eleito quem tem mais votos. Se há 10 candidatos a governador, vencerá o mais votado. Vale o voto nominal e não importa quantos votos o partido do candidato teve com seus candidatos a deputado, por exemplo. Um novo filtro será feito, eventualmente, em segundo turno. 

Vejam: ambos os sistemas, majoritário e proporcional, são utilizados para escolher representantes para exercer o mandato popular.

E como funciona o sistema proporcional?

Porém, pelo sistema proporcional são eleitos os vereadores, os deputados federais, os deputados estaduais e os deputados distritais (atenção: “distrital” tem a ver com os eleitos no distrito federal e não com o famoso “voto distrital”, que não existe no Brasil é um assunto para outro momento).  

Conforme o sistema proporcional de contabilização e distribuição de vagas, para ser eleito, não basta, ao candidato, ser o mais votado. Vale o voto nominal, sim. E vale, também, o voto de legenda.  

E o que é voto de legenda?

É o voto dado quando o eleitor não digita o número do seu candidato, mas apenas o do partido político de sua preferência.

No cálculo proporcional, se considera cada voto que um partido recebeu, seja por meio do voto nominal em seus candidatos filiados, seja por voto só na legenda. No fim das contas, para esse sistema, quando votamos, votamos no candidato e na legenda ou apenas na legenda. 

Dito isso, como funciona? Como é feito o cálculo no sistema proporcional? Aqui entram os conceitos de quociente eleitoral e quociente partidário. Um exemplo singelo, sem cálculo das sobras (frações), permite melhor compreensão. 

Aproveite para conferir minha conversa com o autor Irineu Barreto, sobre a anatomia da desinformação! É só dar play abaixo!

O que são quociente eleitoral e quociente partidário?

Vamos começar explicando o quociente eleitoral:

Cálculo do quociente eleitoral 

Em uma eleição no estado de Xis, se existirem 10 candidatos a governador (eleição majoritária), o que tiver mais votos será eleito, em primeiro ou segundo turno.  Nesse mesmo estado, para se atribuir mandatos aos candidatos a deputado estadual (eleição proporcional), é preciso fazer dois cálculos:

  1. Primeiro, pegamos o número de vagas que existem na Assembleia Legislativa do Estado Xis, ou seja, quantos deputados a compõem.
  2. Em seguida, são separados todos os votos válidos de todos os eleitores daquele estado. Ou seja, votos nulos e votos em branco não entram na conta. A propósito, é bom dizer que esse tipo de voto nunca é considerado, a não ser como uma forma — legítima — de protesto. 

Todos os votos válidos do estado Xis são divididos pelo número de vagas a serem preenchidas na assembleia legislativa daquele estado. Fazemos a pergunta: quantas cadeiras tem a Assembleia Xis? E dividimos o número de votos válidos pela quantidade de cadeiras.  

O resultado é o quociente eleitoral, ilustrado pela equação abaixo:

QE = Número de votos válidos / Número de vagas

Esse é o número mínimo de votos que um partido precisa ter para conquistar vagas, para eleger deputados.  

Mas, quantas vagas, quantos candidatos o partido pode eleger? Aí vem a segunda conta. 

Os partidos que atingirem o quociente eleitoral terão direito a uma ou mais vagas. Então, para saber quantos deputados foram eleitos pelo partido, é feito outro cálculo: desta vez, para encontrar o quociente partidário.

Como calcular o quociente partidário?  

Pegamos o número de votos que cada partido recebeu de seus eleitores (nominais e de legenda), e o dividimos pelo quociente eleitoral.

Com o resultado em mãos, cada vez que o partido “bater” esse número, terá direito a uma vaga. Ou seja, o quociente partidário (QP) é o resultado da quantidade de votos do partido dividida pelo quociente eleitoral (QE). 

Com esse número, saberemos quais os partidos vencedores.  

Mas, como se elegem os deputados?

As pessoas que foram mais bem votadas naquele partido serão eleitas. Mas, atenção: além de terem mais votos, para serem eleitas, essas pessoas têm que alcançar ao menos 10% do quociente eleitoral.  

Então, quantas pessoas o partido elegeu para esse cargo?

Um exemplo simples para ilustrar!

Confira a seguir um exemplo simples, sem considerarmos sobras e números fracionários, já que o objetivo não é fazer malabarismos matemáticos (tanto pela falta de espaço quanto pela notável falta de habilidade da autora deste post): 

Cálculo do quociente eleitoral (votos necessários):  

102 mil votos, sendo 2 mil votos brancos e nulos;

100 mil votos válidos divididos por 10 cadeiras;

Resultado: 10 mil. Então, o QE é 10 mil. 

Cálculo do quociente partidário (vagas do partido):  

Vamos supor que 20 mil são os votos que os eleitores deram ao partido (nos candidatos ou na legenda).  

QE / QP = 20 mil / 10 mil = 2 

Resultado: 2. Então, o quociente partidário é 2. O partido elegeu 2 deputados estaduais.  

O que é cláusula de barreira?

Além desses cálculos, ainda é necessário que cada um dos 2 candidatos tenha recebido pelo menos 1.000 votos (10% do QE). É a chamada cláusula de barreira ou de desempenho individual.

Já a cláusula de barreira do partido diz se o partido terá direito a espaços na rádio e na TV, recursos do fundo partidário etc. 

É em razão desse sistema de cálculos que, muitas vezes, um candidato B com milhares de votos não consegue se eleger e, outro, D, como menos votos do que ele, é eleito: porque o partido de B não alcançou o quociente eleitoral; o de D, sim. 

Note que os resultados nas eleições proporcionais são obtidos com uma fórmula um pouco complicada, aqui exposta muito rapidamente.

Qual é o objetivo do sistema proporcional?

No entanto, o sistema proporcional tem um objetivo: garantir que, dentro das casas legislativas (Câmaras), haja o maior número possível de grupos diversos, formados por vários partidos, maiores e menores, de várias vertentes políticas e representativos de vários núcleos e setores da sociedade.

Se fossem eleitos pelo sistema majoritário, os mandatos no legislativo seriam mais individualizados.  

Outra informação interessante: o mandato legislativo proporcional pertence ao partido, e não ao parlamentar que ocupa a cadeira. Em tese, todos os políticos do partido B representam a ideologia B e esta reflete uma fatia da sociedade, por sua vez representada, no poder, pelo parlamentar.

Isso, além de explicar a lógica do sistema, importa quando o tema é (in)fidelidade partidária e outra expressão curiosa: a “dança das cadeiras”. 

Por fim, o que tudo isso tem a ver com o “efeito Titirica”? Ou melhor:

O que é “Efeito Tiririca”?

Quociente Eleitoral: Foto de Tiririca
Foto do ex-candidato Tiririca, obtida no portal o Tempo

Esse efeito é uma distorção, um efeito indesejado do sistema proporcional, relacionado aos chamados candidatos puxadores de votos e ganhou grande repercussão na mídia entre os anos 1990 e início dos anos 2000.

À época, ficou conhecido como “efeito Enéas”, se referindo ao um político acreano que tinha como bordão a frase “Meu nome é Enéas!”.

Com sua campanha eleitoral um pouco diferente e polêmica, o então candidato conquistou mais de 1 milhão de votos e levou consigo mais 5 candidatos, praticamente desconhecidos e sem votação minimamente expressiva. Justamente porque, com os votos desse candidato, o partido ao qual ele estava filiado “bateu” mais de 5 vezes do quociente. 

Esse fenômeno, é claro, também era anterior a essa época. Mais recentemente, ganhou a mídia com o candidato Tiririca. Tendo também conquistado mais de 1 milhão de votos na disputa para deputado, elegeu consigo mais 4, poucos conhecidos e sem votação significativa. Do mesmo modo, porque a coligação na qual estava o puxador de votos “bateu” mais de 4 vezes o quociente. 

É que a presença de um candidato com votação muito alta em um partido (ou em uma federação, que hoje substitui as coligações nas eleições proporcionais) pode fazer com que esse partido supere várias vezes o quociente eleitoral. E, com isso, conquiste mais vagas, mais cadeiras.  

Resumindo: os votos atribuídos a um candidato a vereador, deputado estadual, federal ou distrital, ajuda os demais candidatos filiados ao respectivo partido ou federação. Do mesmo modo, o voto dado à legenda.

Qual é o problema desse fenômeno?

O principal motivo das críticas é: quem surfasse na onda de um puxador de votos não poderia representar a vontade dos eleitores, pois não teve votos que fizessem dele um representante “legítimo”, digamos. 

Eis aí está um dos muitos motivos para a criação da cláusula de barreira individual: evitar esse efeito indesejado do sistema.

Essa cláusula passou a exigir que o candidato, para se eleger, tenha votos equivalentes a pelo menos 10% do quociente eleitoral. Assim, na conta acima, o candidato precisa ter sido escolhido por, no mínimo, mil eleitores. Isso, ao menos em tese, lhe daria um tipo de validação mínima para atuar como representante do povo. 

A medida amenizaria o impacto que os candidatos puxadores de votos têm no resultado das eleições proporcionais no Brasil. No entanto, por muitas razões e também porque hoje a propaganda, as campanhas eleitorais e a exposição política vêm ganhando espaço nos meios digitais, a completa extinção do “efeito Tiririca” parece estar longe de ocorrer.

Isso, somado ao avanço das mídias digitais e redes sociais, que elevam algumas pessoas ao patamar de celebridades, ainda que momentâneas. É o caso do influencer.

Pessoas que tenham alto apelo midiático perante a população podem gerar esse efeito ao se candidatarem ao legislativo. Mas candidaturas assim fazem parte do jogo político. E o impacto dos puxadores de votos tende a continuar, seja com novos candidatos, seja com políticos com nomes já consolidados nas disputas eleitorais.

Espero que tenha compreendido o sobre o quociente eleitoral, quociente partidário e o “Efeito Tiririca”! Que tal conferir também nossa conversa com o autor Alexandre Rollo, sobre Direito Processual Eleitoral?

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