Hélio Franchini Neto e a Independência Redescoberta

Helio Franchini: Foto do autor

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O autor da vez é Hélio Franchini Neto, diplomata de carreira, historiador e estudioso de conflitos militares. Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2004) e doutorado em História pela Universidade de Brasília (2015).

Em nossa conversa, Hélio nos contou um pouco sobre a história da independência do Brasil.

Normalmente aprendemos, na escola, que o movimento da Independência brasileira aconteceu no dia 7 de setembro de 1822. Mas esse momento foi, na verdade, um desfecho de muitas outras mobilizações políticas.

No livro “Redescobrindo a Independência”, Hélio Franchini Neto quebra os mitos de nossa história e conta as batalhas e conflitos que marcaram o nascimento do Brasil como nação.

  • Como teria sido possível unificar realidades tão distintas?
  • O processo de rompimento com a coroa foi mesmo pacífico?

Essas perguntas (e muitas outras) são respondidas pelos estudos que culminaram na obra.

O autor nos contou sobre o que gerou a pesquisa, as características únicas do Brasil antes da independência e os mitos sobre essa época. Você pode escutar a íntegra do episódio pressionando o play logo abaixo!

Olá, Hélio! Para começar, queria pedir para você se apresentar um pouco mais para nossos ouvintes.

Bom, eu sou Hélio Franchini Neto, sou diplomata de carreira, mas também acadêmico. 

Historiador, fiz um mestrado em Ciência Política e um doutorado em História, exatamente sobre o tema da independência, e sobre alguns aspectos deste processo de criação e estabelecimento do Brasil que normalmente não são explorados — particularmente, no elemento militar.

Todo brasileiro aprende que no dia 7 de setembro de 1822, às margens do rio Ipiranga, Dom Pedro declarou que o Brasil passaria a ser independente. Mas poucos de nós conhecemos os pormenores das batalhas, conflitos e de como essa história de fato aconteceu.

Nesse contexto, há uma pergunta central que você traz no livro, que toca nesse ponto. Será que a independência foi mesmo divórcio pacífico? Sobre essa informação, eu queria te pedir para comentar: como era a vida no Brasil nessa época?

Hélio Franchini Neto: Esse é um tema muito interessante porque, de fato, nós temos uma imagem consolidada. Obviamente, se você conversar com os historiadores, eles vão dizer “olha, não é essa imagem que existe na academia”.

Desde os anos 80 essa imagem vem sendo contestada, mas o fato é que a gente tem uma imagem muito consolidada. A gente imagina um Brasil no qual a independência foi só uma uma um pedaço dessa história, um capítulo de uma história que já existia.

Ou seja, é a ideia de que nós tínhamos já o Brasil, os brasileiros. Nós já existimos desde 1500 e um povo diferente tinha segurado o Brasil como uma colônia. E nesse 7 de setembro, por uma mera declaração, quase uma constatação, nós nos separamos de Portugal.

E essa ideia — de uma identidade nacional brasileira já existente em 1822 — é muito contestada entre os historiadores. Você tem outros movimentos políticos, outras agitações políticas mostrando que não eram apenas algumas elites que participavam desse processo.

Eu comento isso porque acho que é interessante mostrar o caminho. Esse caminho parte desse mito que todos nós temos

Eu também compartilhava essa visão e gradualmente eu fui me confrontando com questões que geraram novas pesquisas. Então chegou um ponto em que decidi que realmente isso precisava ser uma pesquisa profissional.

Este livro que nós estamos lançando com a Benvirá é uma versão da pesquisa, exatamente para trazer para o público geral, para o público amplo, o resultado dessas pesquisas.

Onde começou essa pesquisa?

Hélio Franchini Neto: Começou em um dado que era um pouco estranho. Tem uma mobilização militar para conter o movimento ali. A gente pode chegar no Piauí, no Maranhão, na Cisplatina, que na época era uma província do reino do Brasil, que era ligada a Portugal.

Meu primeiro momento foi marcado por este pensamento: Já tenho dados interessantes sobre a construção da nação brasileira, que é um produto mais do século XIX do que do século XVIII ou dos elementos anteriores.

Já se sabe também que existiam diferenças regionais importantes, ainda que a maior parte dos estudos sobre a independência se concentrassem no Rio de Janeiro.

Havia autores pesquisando as outras regiões e trazendo ideias importantes eu mencionei: “vou encaixar aqui o elemento militar“. Então o primeiro elemento da pesquisa foi investigar as operações militares

O problema disso daí foi que, em dado momento, você descobre um um quadro militar importante e você tem que dar um passo atrás, para dizer: Onde eu encaixo esse elemento efetivamente? 

Qual é o sentido de haver mobilizações militares, quando a história contada por todo mundo está vai por outro caminho? Ou  quando você não consegue, ainda, compreender a função dessas operações?

No momento em que você começa a pesquisar esse fator, o quadro da independência começa a se tornar muito mais complexo. E aí que se torna muito mais interessante. 

É nesse momento que começamos a (re)descobrir parte da riqueza da nossa história.

Estrutura e camadas da história brasileira

No passo atrás que damos para compreender as operações militares, começamos a descobrir camadas e camadas de realidade histórica brasileira, que são muito interessantes.

Então você vai destrinchando algumas dessas camadas do processo de um movimento central A partir disso, podemos ter também outros estudos com foco complementar a esse edifício central.

E como que a gente consegue pegar a estrutura, esse “mapa geológico” da independência brasileira?

O primeiro passo realmente é voltar um pouco antes e entender a realidade da colônia. Vamos pontuar alguns elementos que são chaves para compreender o processo de independência e o momento posterior. 

Qual é o primeiro momento que podemos chamar de herança colonial?

A herança colonial é um território muito vasto, em que a coroa portuguesa foi capaz de controlar pontos estratégicos. Você tinha fortes na bacia do Amazonas e as disputas com a Espanha para entrada do Prata, pontos centrais do território em que há uma ocupação. O Nordeste é o ponto de ocupação principal.

A primeira coisa é quebrar esse olhar exclusivo. Não para subestimar o olhar do centro-sul (nosso sudeste de hoje), mas para rever a ideia de colocar todas as outras regiões juntas. 

E o que sobressai nisso é a heterogeneidade. Ou seja, você tem uma colonização esparsa. Com rotas de contato e rotas de conexão, mas essencialmente quase que ilhas pontuadas nesse território. 

Então é necessário quebrar essa ideia de um Brasil já formado. E também a ideia de uma Europa distante de todas as províncias ou capitanias da época. Também devemos romper com essa ideia, porque era mais fácil, para parte desses núcleos de colonização, chegar a Lisboa do que chegar ao Rio de Janeiro.

Ou seja, aos poucos você tem núcleos bem desenvolvidos, com suas particularidades a nível regional. Eles possuem uma certa homogeneidade, exatamente pelo elemento de ser português, pela ligação com Portugal pela coroa.

Ali não tem brasileiros. Nós temos portugueses, com o elemento de nacionalidade que mais se destacava. Junto com o ser português era o ser paulista, ser baiano, ser pernambucano. Ou seja, muito mais heterogeneidade. 

Podemos entender, então, que existia mais uma nação administrativa do que um projeto de uniformidade cultural ou de identidade, certo? 

Hélio Franchini Neto: Há pessoas de uma mesma nação, que é portuguesa, porém separadas e com algumas relações econômicas entre si.

Há uma mobilização, uma dinâmica social também mais interessante, mas com essa dicotomia inicial ao longo da colonização. Temos uma característica regional: ser pernambucano, ser baiano, ser paulista. Essa característica se relacionava de forma paradoxal com elemento central, que é a Coroa.

Ou seja, sou português porque eu sou o súdito da Coroa — o que unifica tudo isso é a Coroa. Mas ao mesmo tempo, as regiões têm dificuldade em lidar com a Coroa, que busca centralizar poder e ter mais controle sobre suas colônias. 

As colônias tendem também a querer um pouco mais de autonomia. Ter um poder decisório para se organizar no local, fazer a justiça, não ficar dependendo de meses, de viagens para ter uma uma resposta. 

Então temos uma tensão, e esse elemento da tensão vai ser importante. Uma tensão potencial entre a realidade local e a realidade nacional, que é portuguesa. 

No meio disso, temos já no século XVIII um outro embrião aparecendo, que é essa ideia do ser americano. Mas é apenas um embrião.

É o português americano luso brasileiro, ou mesmo brasileiro. Não aparece a mesma expressão. Brasileiro, brasiliense, brasílico, várias expressões aparecem. Você encontra documentos que dizem “eu sou brasileiro” mas ainda não é um elemento de diferença de nacionalidade. 

Eu diria que está mais parecido com o que hoje temos entre os estados. Somos todos brasileiros e você tem um pernambucano e um sul-mato-grossense, por exemplo. Temos algumas diferenças, mas isso não tira o fato de todos serem brasileiros. 

O que existia de fato era um certo preconceito, exatamente contra esses brasilienses/ brasílicos. Eram portugueses, mas há relatos, por exemplo, de europeus que não queriam casar suas filhas com aqueles que estavam ali na colônia.

Ao mesmo tempo essa divisão é muito fluida, porque brasileiro era quem nasceu na América Portuguesa, quem havia se estabelecido. Houve momentos em que se falava de brasileiros para fazer referência a todos que moram na colônia. Ou seja, aqueles que nasceram na Europa e foram para a colônia também seriam considerados brasileiros. 

Quer saber mais? Não deixe de conferir o episódio na íntegra!

Gostou de conhecer melhor os ensinamentos de Hélio Franchini Neto? Confira também nossa entrevista com Celso Amorim sobre seu livro “Laços de Confiança”!

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