Foto de Celso Amorim. Fonte: Veja
O autor, professor e diplomata Celso Amorim atuou como representante brasileiro em diversas funções internacionais, entre 1995 e 2003. Também exerceu o cargo de Ministro das Relações Exteriores nos governos de Itamar Franco e Lula.
Nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, chefiou a missão permanente do Brasil na ONU. Também atuou em Genebra, na Suíça e na embaixada brasileira em Londres. Durante o governo de Dilma Rousseff, foi nomeado Ministro da Defesa.
Além das funções sociopolíticas e ações humanitárias, Amorim tem um papel importante como estudioso da área. Tem formação pelo Instituto Rio Branco, a Academia Diplomática de Viena e a London School of Economics.
Também atuou como professor de Língua Portuguesa no Instituto Rio Branco e professor de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
Já publicou várias teses, artigos e livros, incluindo:
- “Conversa com jovens diplomatas” (2011);
- “Breves narrativas diplomáticas” (2013);
- “Teerã, Ramalá e Doha — Memórias da Política Externa Ativa e Altiva” (2015).
Em “Laços de Confiança – O Brasil na América do Sul”, o ex-chanceler explora a relação do país com seus vizinhos. Utilizou para exemplificar a narrativa as anotações feitas à época dos acontecimentos, complementando-as com referências a documentos oficiais e informações de outras fontes.
A restituição de laços de confiança é uma parte fundamental da política externa, que incentiva o progresso do país sem prejudicar a colaboração com os países vizinhos.
Conheça Laços de Confiança, novo lançamento do autor. Nesse artigo, confira a entrevista que fizemos com Celso Amorim sobre a história desses laços, a perspectiva para o futuro e sua vivência na diplomacia.
Para conferir a entrevista na íntegra, basta dar play logo abaixo e escutar o episódio de nosso podcast Bom Saber!
Começando por um dos trechos que o senhor escolheu para abrir o seu livro, do Ariano Suassuna. É sobre esse sonho do Brasil gigante, organizador da reunião latino-americana, O senhor pode comentar essa escolha? E, em linhas gerais, por que esse sonho ainda não é realidade?
Celso Amorim: Bem, o sonho ainda não é realidade porque esses países foram colonizados. Viveram todos eles voltados para as antigas metrópoles ou para os países centrais da economia mundial, como é o caso dos Estados Unidos ou da Europa.
E a relação entre eles era muito pequena, na grande maioria dos casos. E enfim, há várias dificuldades do próprio nível de desenvolvimento de cada país que explicam isso.
Eu aproveitei o texto do Ariano Suassuna porque eu tinha acabado de ler [um livro do autor]. Eu tenho grande admiração pelo Ariano Suassuna e acho que é um escritor bem brasileiro.
Me espantei um pouco de ler no Ariano Suassuna — porque ele escreve muito mais sobre o nordeste, o sertão brasileiro — essa reflexão sobre a América Latina, que eu hoje chamaria de América Latina e Caribe.
Mas de qualquer maneira é um sonho que está na Constituição Brasileira. Então não é um sonho qualquer. É um sonho que já foi corporificado em inúmeras iniciativas e é o objeto, para dizer assim, do meu livro.
Qual é a importância de retomar esses relacionamentos externos, especialmente nesse contexto complexo que a gente está globalmente? Qual é a importância de a América Latina voltar a se relacionar mais intensamente?
Celso Amorim: Este meu livro se concentra mais na América do Sul. E por que também eu faço essa distinção?
Porque quando se fala em integração, é mais natural que seja América do Sul do que seja o conjunto da América Latina. É parte até da própria, não só do sonho do Ariano Suassuna, mas, digamos, ainda é parte da Constituição Brasileira a integração da América Latina com a inclusão do Caribe no seu conjunto. Mas não é fácil.
Países como Brasil, Argentina, mesmo Chile, entre outros, têm um comércio muito mais equilibrado. Já tinham mesmo antes da China despontar como grande potência, já tinham uma relação a mais com a Europa e os Estados Unidos, não eram tão dependentes de um único mercado.
Quando nós criamos o Mercosul 30 anos atrás, a integração já era importante, mas é mais ainda hoje. Porque o mundo hoje está se organizando em blocos. Não só economicamente, mas politicamente.
Os Estados Unidos são um bloco em si mesmo. A China é um bloco em si mesma. A união europeia é um bloco por definição, é uma reunião de países.
A própria África que, em termos de desenvolvimento está atrás da América Latina e Caribe, está mais integrada do que nós. Eles têm um acordo de livre comércio. Obviamente que está ainda a ser implementado e terá muitas dificuldades, mas envolvendo toda a África.
E nós teremos muito mais vantagens, para falar em matéria muito pragmática e teremos como, de uma maneira um pouco mais política, ter nossa voz mais ouvida se nós falarmos em conjunto.
Isso pressupõe a integração. Então eu acho que ela é até mais importante hoje do que era. Sempre foi importante, mas agora ainda mais do que era 30 ou 40 anos atrás.
O título do livro, “Laços de confiança”, indica uma necessidade de esses países não só se integrarem como blocos, mas também estabelecerem relações seguras e sólidas, não é? Pode explicar um pouco o que seriam esses laços de confiança?
Celso Amorim: Eu estava saindo de uma reunião com o presidente Uribe Da Colômbia, com o qual nós não tínhamos nenhuma afinidade ideológica.
A relação é uma coisa muito importante entre as pessoas, mas também é importante entre os países. Tínhamos uma relação de confiança.
Quer dizer, ele sabia que o que pedisse ao Brasil, ou esperasse que o Brasil se comprometesse a fazer, ia acontecer. Ou pelo menos nós íamos tentar fazer acontecer.
Ou seja: havia uma relação. E isso eu acho que foi o grande impulso dado na época do presidente Lula.
Essa relação existia, obviamente, com países com os quais a gente tinha maior afinidade, como Argentina, Chile etc. Mas também com países com os quais a gente poderia ter muitas discordâncias em várias questões. Mas havia uma relação de confiança e de saber que você poderia contar com o outro.
Sobre o caso da Unasul
Celso Amorim: Até aproveito para esclarecer, e isso é uma das questões que o livro mostra: Quando nós criamos a Unasul, absolutamente não era um bloco de países que pensavam do mesmo jeito.
Eu tinha a Venezuela e a Colômbia totalmente diferentes em matéria de abordagem. O Peru é que tinha um governo centro liberal, mais ou menos, mas a Bolívia era o governo do Evo Morales. Então, como é possível?
Mesmo entre os países com visões diferentes da sua própria organização política é possível desenvolver relações que levam à integração. Isso aparece no livro: a importância que tem um comércio, a importância que tem, por exemplo, a criação do conselho de defesa sul-americano. Foi uma coisa muito boa e eu digo que, em algum momento, tudo isso se perdeu um pouco, principalmente em tempos recentes.
Ninguém pode pensar na integração sul-americana sem o Brasil, não há condição. O Brasil é metade da América do Sul em termos de território. É metade em termos de população e até um pouco mais de metade em termos de produto bruto.
Então é impossível você pensar sem o Brasil. E o Brasil se tornou uma coisa, uma força negativa. Para não dizer um vazio, mas é pior até do que um vazio, porque tem uma relação conflituosa com muitos dos nossos vizinhos.
A relação Brasil e Venezuela
Celso Amorim: No caso da Venezuela, nós quase fomos a uma guerra. Não, não é um exagero isso. Não se deu esse nome, mas é uma intervenção humanitária.
Uma intervenção humanitária envolvendo militares é guerra. Pode dar o nome que der, mas é guerra. E o Brasil não mandou representante de nível adequado, por exemplo, à posse do presidente da Bolívia.
Enfim, e por aí vamos. Eu tenho esperança de que isso mude em breve e que aí nós retomemos esse caminho.
Para falar um pouquinho do livro, eu transcrevo, inclusive, um pouco das anotações da época.
Eu me lembro de uma visita que o ministro [venezuelano] das Relações Exteriores fez ao Brasil, e de mim explicando a ele que o Brasil é um país capitalista. De dizer, “olha o Brasil é um país capitalista. Eu não posso fazer as coisas que eu quero. Eu tenho que levar em conta o que pensa a Fiesp”.
E ele ficou assim até meio decepcionado, porque, lógico, o Lula, o líder operário e tal. Claro que buscando a justiça social, buscando maior integração, buscando, enfim, maior autonomia no mundo, etc. Mas dentro do sistema que existe, que é um sistema capitalista.
Então, os laços de confiança têm a ver com isso, com essa necessidade, com essa capacidade de interlocução plural e com uma base muito pragmática, que foi a base econômica.
Não ficamos só na base econômica, criamos um conselho de defesa, o Instituto de Saúde, que funcionava. As ligações de infraestrutura que embora com atraso, sim, são muito afetadas por todos esses processos que ocorreram no Brasil também.
Mas de qualquer maneira, nós estamos pela primeira vez em razoável unificação entre o Atlântico e o Pacífico. Algo que na América do Norte ocorreu no século 19.
Que conselhos você daria a um jovem diplomata? Que agora, cada vez mais, enfrenta a complexidade e desafios nesse cenário global, como ser o diplomata nos tempos atuais?
Celso Amorim: Bom, eu acho que a gente devia começar dando um conselho para os velhos diplomatas, para eles evitarem a guerra que está ocorrendo. Eu os vejo tratarem essa situação com muita naturalidade.
Eu acho que a paz é urgente. É urgente tratar da paz. Eu acho que o diplomata tem que ter isso presente. Ele tem que cuidar do interesse do país, evidentemente, mas ao mesmo tempo, de uma maneira que promova a paz e a e a fraternidade entre os povos que promovam a justiça.
Então eu acho que o jovem diplomata não deve perder o entusiasmo, não deve perder o amor, a paz e o desenvolvimento do Brasil. A justiça social. Esses são os objetivos internos e objetivos globais.