Nos últimos meses, os espaços de trabalho, online e offline, trazem um debate sobre o fenômeno de quiet quitting. Quiet quitting se traduz, literalmente, para demissão silenciosa. Porém, na verdade, faz parte de um movimento em relação ao equilíbrio da vida profissional e prevenção de questões como burnout e queda de satisfação nas empresas.
A ideia é que, ao adotar o quiet quitting, colaboradores evitam fazer atividades além de suas responsabilidades profissionais. Em contrapartida, gestores encaram a prática negativamente, já que há menos adesão à cultura de horas extras e atividades além do escopo de cada cargo.
Como essa discussão está causando cada vez mais questionamentos em relação aos moldes de trabalho, neste artigo vamos explorar o que é quiet quitting, como isso impacta as relações de trabalho e o que fazer para evitar esse cenário.
O que realmente é quiet quitting?
A ideia por trás do quiet quitting ganhou espaço nas redes sociais, mas, na verdade existe bem antes delas. O conceito aplicado é o work-to-rule, ou seja, trabalhar de acordo com as regras.
Baseada em movimentos trabalhistas industriais, a ideia é fazer aquilo pelo qual o profissional foi contratado, não ir além, não ceder seu tempo extra e não deixar que o trabalho afete sua vida pessoal.
É uma modalidade de ação coletiva que já existe como alternativa em serviços essenciais, como saúde e educação, já que é uma alternativa menos drástica a greves e outras interrupções.
Frente a dificuldades trabalhistas como falta de crescimento na carreira, salários insuficientes e pouco apoio da gestão, os trabalhadores focam em fazer o mínimo possível, seguindo todas as regras, mesmo que isso diminua a produtividade de sua rotina. A pressão, em teoria, incentiva os gestores a oferecer melhores condições de trabalho.
Nas relações de trabalho contemporâneas, essa ideia cresceu, em parte, pelas mudanças socioeconômicas e culturais durante a pandemia. Profissionais de áreas subvalorizadas, com rotinas exaustivas e responsabilidades além de seu escopo, sentiram ainda mais o desgaste físico e mental de suas jornadas.
Com a falta de reconhecimento e recursos financeiros, surgiram dois movimentos: a grande resignação e o quiet quitting. No primeiro caso, profissionais frustrados pedem demissão, fazendo com que a empresa precise reformular sua equipe. Já no quiet quitting, a ideia não é de fato sair do trabalho, mas sim evitar cumprir responsabilidades extra, reforçar limites e evitar que a vida profissional afete a vida pessoal.
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Por exemplo, caso um colaborador de um escritório esteja cumprindo várias funções em sua jornada, sem remuneração adequada, ele pode deixar de fazer o que está além de sua obrigação contratual, o que gera um desfalque na empresa. Em tese, essa ação faz com que a empresa perceba a necessidade de contratar profissionais o suficiente para suas demandas, evitando que a equipe fique sobrecarregada.
Quais são os mitos sobre quiet quitting?
Existem alguns pontos importantes que devem ser esclarecidos sobre a prática do quiet quitting e seu impacto nas relações de trabalho. Com o crescimento do diálogo em torno de estratégias de gestão que levam ao burnout, profissionais de diversas áreas buscam focar mais na qualidade de seu trabalho e não em métricas arbitrárias.
Ainda assim, há gestores que encaram o quiet quitting como uma medida prejudicial à empresa. Isso porque ainda existe o mito de que um profissional de qualidade é aquele que vai além de suas obrigações. Na verdade, o oposto costuma ocorrer: se a equipe não dá conta das demandas e precisa cumprir jornadas mais cansativas, a qualidade do trabalho é afetada pelo estresse extra.
Professores, por exemplo, são profissionais que sofrem desproporcionalmente quadros de burnout. Questões como remuneração abaixo do mercado, sobrecarga de tarefas e pressão de gestores por performance faz com que a área da educação tenha conflitos.
Outro mito comum em relação ao fenômeno do quiet quitting é que ele é exclusivo de funcionários mais novos, principalmente da geração Z. Na verdade, apesar das discussões terem crescido com as redes sociais, a insatisfação com a falta de reconhecimento profissional já percorre décadas. Uma das primeiras referências culturais da ideia apareceu no filme “Como Enlouquecer Seu Chefe”, de 1999, sátira do mundo corporativo na área de tecnologia.
Vale lembrar, também, que parte da polêmica em relação ao quiet quitting é que ele prejudicaria o desempenho da equipe e demonstra uma falta de proatividade. Nessa visão, colaboradores deveriam sempre se mostrar dispostos a ir além do que seu escopo de trabalho diz, visando reconhecimento da empresa e possíveis promoções.
Na prática do quiet quitting, as pessoas negam essa ideia, buscando criar mais divisão entre trabalho e lazer, evitando a prática de “ir além” e constante ambição. Como isso vai contra a ideia enraizada do funcionário ideal, é comum que haja fricção dentro das empresas — afinal, o trabalho não deveria ser a prioridade?
Essa fricção é justamente o que está no cerne das discussões mais recentes sobre o tema, contrastando as diferentes vivências de funcionários e gestores, tipos de empresa, definição de escopo, remuneração, reconhecimento pela proatividade, etc.
Quais as diferenças entre quiet quitting e quiet firing?
Na contrapartida da ideia de quiet quitting, muitas empresas adotam um método que ficou conhecido como quiet firing. Apesar do nome, essa prática também tem origens anteriores às redes sociais e consiste em tornar o trabalho desagradável ao funcionário para que ele peça demissão.
Por exemplo: regras mais rígidas no ambiente de trabalho, inflexibilidade em relação às demandas da equipe (como jornadas remotas ou pacotes de benefícios), não oferecer um plano claro de carreira, não dar feedbacks úteis, etc.
Com isso, o profissional não se vê futuramente na empresa, começa a buscar outras oportunidades e pede demissão, em teoria facilitando o processo para o empregador. Porém, essa prática acaba tendo um efeito contrário: desmotiva outros funcionários ao escancarar a falta de boas práticas de gestão.
5 desafios da rotina de trabalho
Com o diálogo sobre burnout e quiet quitting cada vez mais presente, é importante que tanto gestores quanto funcionários se atentem às principais barreiras no ambiente de trabalho que contribuem para que a situação fique insustentável. Confira algumas delas e o porquê de causarem o quiet quitting:
1. Falta de escopo definido
Uma das dificuldades que leva ao descontentamento do ambiente de trabalho é a falta de escopo de cada função ser bem definida.
Ou seja, se a gestão não define os limites de cada cargo, como definir o que seria proatividade no ambiente de trabalho e fomentar a colaboração?
Nesse contexto de falta de informação, a síndrome de Burnout e outras questões ocupacionais aparecem com mais força, já que, ao tentar estar sempre além de suas obrigações, os funcionários acabam tendo uma sobrecarga e não cumprindo com o que realmente devem fazer.
Em paralelo, esse estresse constante faz com que o desempenho da equipe seja prejudicado pela falta de comunicação.
2. Cobranças desproporcionais
Mesmo com discussões frequentes sobre diminuir o estresse no ambiente de trabalho, existem momentos em que há uma pressão em relação a prazos ou desempenho.
É importante lembrar que o objetivo do quiet quitting não é de fato tentar sair de um trabalho, mas sim estabelecer maiores limites entre a vida pessoal e a autoestima em relação ao trabalho.
Por exemplo, em um cargo que o profissional se sinta pressionado a entregar resultados, o rendimento inadequado pode trazer malefícios para além do ambiente profissional. Caso a pressão de gestores seja muito alta, o profissional pode acabar levando o sentimento de falha e preocupação para fora no ambiente de trabalho, o que prejudica também sua vida pessoal, seus momentos de lazer e relacionamentos.
O movimento da demissão silenciosa prega que as pessoas devem estabelecer mais limites entre sua vida profissional e profissional. Não permitindo, por exemplo, que líderes tomem decisões sobre seu tempo em seu lugar. Exigir que funcionários cumpram horas extras, trabalhem além do seu escopo ou sejam responsáveis por coisas que estão fora de sua alçada faz com que eles tenham menos limites entre momentos de trabalho e momentos de lazer, o que, por sua vez torna as relações mais difíceis.
3. Não receber feedbacks
Para além das cobranças, uma das questões é que a relação entre os gestores e funcionários também deve ser levada a sério. Isso é, não só os colaboradores devem atender às demandas da gestão, promovendo um ambiente produtivo e eficiente, mas também é importante que os gestores saibam quando e como trazer feedbacks.
Assim, o funcionário terá um direcionamento melhor do que mudar em sua rotina e trará maiores ganhos para a equipe. Isso sem se desdobrar em múltiplas funções e priorizando um trabalho de qualidade ao invés de metas impossíveis.
4. Falta de plano de carreira
Uma das questões levantadas pelo movimento quiet quitting é que não seria necessário ir além das obrigações, justamente porque muitas empresas não oferecem um plano de carreira.
Ou seja, se, a princípio, não haverá reconhecimento pela proatividade e iniciativa, o funcionário não tem incentivo para buscar destaque e, assim, cumpre apenas o que foi acordado.
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5. Jornadas exaustivas
O efeito dessas barreiras leva à principal: o cansaço físico e mental de jornadas exaustivas. Pensando na realidade de ter que cumprir várias funções sem reconhecimento e remuneração, falta de orientações e menos chances de ser promovido, faz sentido que os funcionários queiram delimitar cada vez mais seu vínculo com o trabalho.
Como equilibrar carreira e tempo livre?
Essa ideia de limitar o impacto do trabalho na vida pessoal apresenta seus próprios desafios, mas é essencial para a manutenção do bem-estar, da satisfação na empresa e evitar o burnout.
O primeiro passo é se atentar ao que está realmente relacionado ao seu escopo de trabalho. É claro que ser proativo também é importante, ajudando colegas em desafios e participando da implementação de novas ideias. Porém, isso não significa que você deve cumprir com múltiplas funções ou arcar com responsabilidades de outras pessoas.
Para evitar que isso ocorra, é fundamental trabalhar bem em equipe — assim, as pessoas se sentem confortáveis pedindo ajuda e colaborando, mas a divisão de trabalho é justa.
Também é essencial ter uma boa comunicação com o gestor, sem que isso gere prejuízos em sua vida pessoal. Ou seja, deixe claro o que você precisa, faça perguntas, mantenha o diálogo aberto, mas também evite que a rotina de trabalho se torne exaustiva ao realizar favores que impactam seu tempo livre, como horas extras e projetos urgentes.
Delimite também seus momentos de lazer. Se estiver de folga ou de férias, evite checar mensagens do trabalho ou entrar em contato com o escritório. A pausa é essencial para manter a saúde mental.
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Dicas para criar um ambiente de trabalho mais positivo
Para diminuir as tensões no ambiente de trabalho, é importante que os gestores também estejam atentos às boas práticas e desempenhem papel de liderança com cuidado. A ideia é que todos cumpram com suas tarefas e tenham espaço para inovar e trazer novas ideias, sem que parte da equipe tenha que colocar a vida pessoal em segundo plano.
Em primeiro lugar, deve haver espaço para o diálogo. Ou seja, se for reportado um problema ou dificuldade em atingir metas e demandas, o gestor deve tratar a questão com seriedade e trazer soluções adequadas.
Nesse contexto, os feedbacks também devem ser prioridade: tanto negativos, para que o colaborador saiba o que mudar, quanto positivos, destacando e reconhecendo o trabalho que foi feito. Assim, é possível desenvolver a carreira de cada um enquanto a equipe como um todo trabalha melhor.
Também, é claro, vale incentivar cada um a ter hábitos mais saudáveis. Evite trazer urgências desnecessárias, que fazem com que o nível de estresse suba e as pessoas tenham menos tempo para se dedicar às relações pessoais e à própria saúde, como dormir pouco para terminar suas atividades.
Aqui, o papel da empresa é fundamental, com benefícios adequados e flexibilidade em questões como modalidade de trabalho e comunicação. Por exemplo, se a equipe demonstra insatisfação com a quantidade de reuniões diária, vale repensar se essa é a melhor forma de gestão. Se muitos colaboradores atuam melhor em trabalho híbrido ou home office, essa pode ser uma mudança a ser implementada.
Com mudanças nas relações de demandas, o ambiente de trabalho fica mais saudável para todos, fomentando colaboração, desenvolvimento pessoal e crescimento da empresa.
Agora que você conhece melhor o movimento do quiet quitting e seu impacto, confira nossas dicas para promover saúde mental no trabalho.