Toda época de eleições, com a sociedade civil mobilizada em torno do pleito democrático, surgem e entram em voga diversas questões sobre o Direito Eleitoral.
Uma das questões que mais desperta interesse, por sua imensa relevância, são os crimes eleitorais.
Por isso, preparamos este artigo para abordar os principais aspectos dos Crimes Eleitorais, com referências em diversas obras e na entrevista concedida pelo professor Luiz Carlos dos Santos Gonçalves ao podcast Bom Saber, produzido pela Saraiva Educação.
Luiz Carlos dos Santos Gonçalves é mestre do Estado pela PUC São Paulo, procurador regional da República e ex-procurador regional eleitoral de São Paulo (de 2016 a 2019). Além disso, atualmente é também procurador auxiliar da Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo. Como docente, leciona disciplinas sobre Direito Eleitoral e os crimes relacionados a este âmbito. Além disso, é autor de Investigação e processo dos crimes eleitorais e conexos, lançado pela Saraiva Jur em 2022.
Confira!
O que são Crimes Eleitorais?
Como explica Antônio Carlos da Ponte, em seu livro “Crimes Eleitorais” (2ª edição – Saraiva, 2016):
“Crimes eleitorais são condutas descritas na lei como atentatórias à lisura, transparência, correta formação e desenvolvimento do processo eleitoral, que tem como resposta penal destinada a seus responsáveis a imposição da correspondente sanção penal, sem prejuízo da suspensão dos direitos políticos”
Os crimes eleitorais estão descritos do art. 289 ao art. 354 do Código Eleitoral, no capítulo II do Título IV – DISPOSIÇÕES PENAIS.
Para se aprofundar mais nos conceitos e abordagens de Direito Eleitoral, indicamos as seguintes obras:
- Coleção Sinopses Jurídicas, Volume 29: Direito Eleitoral, de Ricardo CUnha Chimenti: o autor apresenta, em uma abordagem concisa e objetiva, o conteúdo necessário a uma eficiente revisão do programa da disciplina, em uma obra que também funciona como norte para noções introdutórias.
- Elementos de Direito Eleitoral, de Carlos Mário da Silva Velloso e Walber de Moura Agra: em uma abordagem ampla e atualizada, a obra visa a trabalhar os principais conceitos do direito eleitoral, destacando temas como fake news, propaganda eleitoral, sistema eleitoral, improbidade administrativa, financiamento de campanhas e prestação de contas e efeitos da pandemia nas eleições.
- Direito Eleitoral, de Clever Vasconcelos e Marco Antonio da Silva: este livro didático foi concebido para, de maneira fácil e objetiva, trazer ao leitor todo o elenco de assuntos que envolvem o tema, especialmente as questões mais controvertidas, sobre o Direito Eleitoral.
Quais são as características dos Crimes Eleitorais?
Todos os crimes eleitorais são, necessariamente, dolosos.
- São crimes de ação penal pública incondicionada, sendo admitida, em caráter excepcional, a ação penal privada subsidiária
- Não há previsão na legislação eleitoral de contravenções penais.
- Em sua grande maioria, os crimes eleitorais são formais: o legislador descreve conduta e resultado, e os delitos consumam-se com a prática da conduta, independentemente da produção do resultado.
- São, em boa parte, crimes comuns, podendo ser praticados por qualquer pessoa.
- Atenção: existem exceções e alguns crimes eleitorais específicos são próprios. Por exemplo, os arts. 291 e 343 do Código Eleitoral, que estabelecem delitos que só podem ser praticados pelo juiz de direito (inscrição fraudulenta de alistando e não oferecimento de representação nos termos do art. 357, §3º, do Código Eleitoral)
- Os crimes eleitorais são unissubjetivos, ou seja, não se exige o concurso de duas ou mais pessoas
- Outra característica marcante dos crimes eleitorais é sua instantaneidade: uma vez consumados, os delitos estão encerrados, deixando de produzir efeitos;
- Os crimes eleitorais nunca são crimes exclusivamente omissivos. Eles podem ser:
- Comissivos: Os crimes comissivos, ou crimes de ação direta, são os crimes em que o agente que pratica o crime age de forma positiva (por meio de uma ação, e não de uma omissão).
- Comissivos por omissão: Os crimes comissivos por omissão, também chamados de Crimes Omissivos Impróprios, são os delitos das hipóteses do art. 13, §2º do Código Penal. São crimes nos quais a omissão é penalmente relevante porque deveria ter havido alguma ação por parte de quem se omitiu para evitar o resultado:
“§ 2º – A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”
- O sujeito passivo das infrações eleitorais será sempre o Estado e, em algumas hipóteses, o Estado e também o cidadão lesado ou que teve o exercício de seu direito ameaçado.
- Os crimes eleitorais podem ser configurados mediante um único ato (crimes unissubsistentes, nos quais a conduta delitiva não pode ser fracionada); ou podem ser plurissubsistentes, ou seja, a prática do crime exige mais de uma conduta para sua configuração.
Confira abaixo nossa tabela resumida com as classificações dos crimes eleitorais, para facilitar sua absorção:
Classificação dos Crimes Eleitorais | |
Quanto à culpabilidade | Necessariamente dolosos |
Tipo de Ação Penal | ação penal pública incondicionada; excepcionalmente, ação penal privada subsidiária |
Quanto à necessidade de resultado naturalístico para sua consumação | formais |
Quanto ao sujeito ativo | em geral, crimes comuns |
Quanto à necessidade de mais de um sujeito ativo | unissubjetivos |
Quanto ao tempo da consumação | instantâneos |
Quanto à forma da conduta | Comissivos puros ou Omissivos impróprios |
Sujeito Passivo | Sempre o Estado, eventualmente junto a um cidadão lesado ou ameaçado por aquele crime eleitoral |
Quanto ao número de atos exigidos para sua consumação | Unissubsistentes ou Plurissubsistentes |
Quais são os tipos de Crimes Eleitorais?
Agora, vamos abordar os principais crimes eleitorais:
Corrupção eleitoral
Segundo o artigo 299 do Código Eleitoral, configura crime de corrupção eleitoral “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.”
Quem compra o voto (ou tenta comprar) pratica corrupção eleitoral ativa; por sua vez, quem vende ou tenta vender o voto está cometendo o delito de corrupção eleitoral passiva.
Boca de Urna
Segundo o artigo 39, §5º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), boca de urna “é o ato de realizar propaganda eleitoral ou de tentar convencer um eleitor a mudar seu voto no dia da votação”. A lei também determina que o uso de aparelhos como alto-falante é proibido, assim como a realização de carreatas e comícios.
A distribuição de folhetos de candidatos (“santinhos”) também é proibida, a partir das 22h do dia anterior ao dia da votação.
Concentração de eleitores
Conforme disposto no Código Eleitoral, é crime:
“Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo. “
Isso significa que a prática de concentrar um número de votantes, seja para impedi-los de votar, seja para atrapalhar os votos destes ou de outros eleitores, constitui crime eleitoral grave, punível com “reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.”
Falsidades
Previstos nos artigos 348 a 353 do Código Eleitoral, compreendem os seguintes delitos cometidos com fins eleitorais:
- Falsificação de documento público
- Falsificação de documento particular
- Falsidade ideológica
- Uso de documento falso.
Alguns outros Crimes Eleitorais
- Abandono do serviço eleitoral: quando o eleitor a serviço da Justiça Eleitoral (mesário, por exemplo) abandona sua função.
- Desordem: promover distúrbios que prejudiquem a realização do trabalho eleitoral
- Violação ou tentativa de violar o sigilo do voto.
- Votar mais de uma vez ou votar no lugar de outra pessoa.
- Caluniar, injuriar ou difamar um candidato em propaganda eleitoral
- Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio
- Denunciação caluniosa eleitoral
Entrar na cabina de votação portando celular, máquina fotográfica, filmadora, equipamento de radiocomunicação ou qualquer objeto que possa comprometer o sigilo do voto é expressamente proibido.
Além disso, quem estiver votando pode pedir ajuda aos mesários sobre a maneira de votar, ou seja, a respeito da ordem de votação, mas nunca sobre o voto em si (em quem votar).
Por fim, é importante dizer que o porte de armamento a menos de 100 metros da seção eleitoral só será permitido aos integrantes das forças de segurança quando autorizados ou convocados pela autoridade eleitoral competente. Civis que carreguem armas, ainda que detentores de porte ou licença estadual, devem respeitar a distância estabelecida na Resolução TSE nº 23.669/2021, sob pena de porte ilegal de arma de fogo e crime eleitoral.
O que diz o artigo 7 do Código Eleitoral?
O artigo 7º do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965) trata da obrigatoriedade do voto e das consequências do não exercício deste, que é considerado, no direito brasileiro, tanto direito quanto dever.
Segundo o caput do art. 7º do Código Eleitoral:
“Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até trinta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367.”
Todo eleitor, a cada pleito eleitoral, é obrigado a votar, ou justificar sua ausência de voto, ou pagar a multa relativa ao não exercício. O parágrafo primeiro do mesmo artigo descreve as consequências de não votar, nem pagar a multa ou se justificar – o eleitor fica impedido de, entre outras coisas:
- inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;
- participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos estados, dos territórios, do Distrito Federal ou dos municípios, ou das respectivas autarquias;
- obter passaporte ou carteira de identidade;
- obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
- renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
- praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.
Existem crimes previstos na legislação eleitoral que não se aplicam mais?
Existem! Como explica Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, o Código Eleitoral é muito antigo, de 1965, e nele foram criminalizadas várias condutas que não têm aquilo que chamamos de dignidade penal.
“O exemplo mais pitoresco é o seguinte: se na hora da votação, o mesário deixar alguém passar na frente de outro (furar fila), está cometendo um crime. Então, eu sei que furar a fila é uma conduta horrorosa. Contudo, dizer que é crime vai ser um exagero a larga distância. E o Código Eleitoral de 1965 faz isso, criminaliza um monte de coisas que não precisavam ser criminalizadas.”
Neste sentido, o professor ressalta, ainda, a quantidade excessiva de crimes eleitorais atualmente positivada (mais de 70).
É crime revelar o voto?
Segundo o artigo 39 da Lei das Eleições, qualquer propaganda feita no dia das eleições, não importa o meio ou local, é crime, porque o dia das eleições deveria ser um dia de reflexão, de silêncio.
No entanto, a mesma lei que criminaliza essa propaganda no dia das eleições autoriza que o eleitor manifeste de forma individual a sua preferência.
“Então, se o eleitor for lá com brochinho, bandeira, boné etc. não é crime. O crime se dá quando, por exemplo, se faz pedido de votos para um número indeterminado de pessoas. Ou seja, quando se atua junto a um comitê de campanha e se procura convencer terceiros a votar da maneira A ou da maneira B.
Mas essa singela conduta de o eleitor usar uma bandana do seu candidato predileto, por exemplo, evidentemente não é crime. Trata-se de uma liberdade que a lei assegura”, explica o professor Luiz.
O uso de camisetas também é autorizado, desde que não gere aglomeração.Gostou deste conteúdo? Para se aprofundar no assunto sobre Crimes Eleitorais, escute também o episódio do podcast Bom Saber.