Um ambiente acadêmico mais inclusivo e a promoção da educação antirracista passa por diversos pontos: abordagem de questões sociais, diversificação de equipes e alunos, conteúdo alinhado às mudanças sociais, entre outros.
Além disso, a instituição de ensino deve promover ativamente vozes diversas para a comunidade. Neste sentido, a inserção da literatura negro-brasileira faz toda a diferença para uma matriz curricular mais rica.
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O que é a literatura negro-brasileira?
A história da literatura negra no âmbito nacional está ligada à necessidade de reafirmar identidades e origens, rejeitando os estereótipos que foram colocados sobre pessoas negras.
Desde antes da abolição da escravatura, escritores e escritoras trabalhavam pelo protagonismo negro em suas obras. Nelas, inseriam temáticas como liberdade e celebração cultural, de forma a evidenciar a desigualdade social e racial no Brasil.
Inclusive, a primeira romancista brasileira é considerada Maria Firmina dos Reis (1822-1917). Em sua obra, “Úrsula”, a autora coloca o abolicionismo como temática central. Ela mesma, inclusive, foi filha de uma mulher escravizada e lutou durante sua vida pela ampliação da educação de jovens negros.
Muitos autores consagrados da literatura nacional são negros: Machado de Assis, Cruz e Sousa, Luiz Gama, Lima Barreto e Carolina Maria de Jesus são alguns dos exemplos mais célebres.
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Do que é feita a literatura negro-brasileira?
Hoje, mais autores negros estão criando obras voltadas para a elaboração e reflexão da temática racial no Brasil. Além disso, autores de não-ficção utilizam suas pesquisas para trazerem à tona questões fundamentais para pessoas negras e suas demandas sociais.
A literatura negro-brasileira contemporânea é uma forma de expressão literária que se concentra nas questões raciais e sociais relacionadas à população negra no país. Algumas das principais características dessa literatura incluem:
- Representação de personagens negros: essas obras dão voz e visibilidade aos personagens negros, apresentando suas vivências, histórias e desafios;
- Temáticas raciais: as questões raciais e sociais, como o racismo, a desigualdade e a exclusão da população negra são abordadas em peso por essas obras, observando-as em diferentes aspectos cotidianos;
- Cultura afro-brasileira: a literatura negro-brasileira está fortemente ligada à cultura afro-brasileira, incorporando elementos da religião, da música e da história da população africana que chegou ao Brasil.
- Engajamento político e social: por meio das histórias e personagens, os escritores utilizam seus livros como veículo para o engajamento político e social, buscando sensibilizar a sociedade para questões raciais e promover a mudança social.
- Reivindicação da identidade negra: os autores reivindicam a identidade negra e a valorização da cultura e história da população negra no Brasil.
Apesar de terem temáticas em comum, é importante destacar que esta é uma forma de expressão artística em constante evolução e que as características apresentadas podem variar de acordo com o gênero e o estilo da escrita.
Existem autores de literatura negro-brasileira que abordam temáticas sociais, mas também autores de romance, humor, poesia, ficção especulativa, entre outras possibilidades. Vale lembrar que a cultura negro-brasileira é rica e isso inclui, é claro, a literatura.
Por que incentivar a literatura negro-brasileira em sua IES?
Os educadores buscam incentivar a leitura na comunidade acadêmica pelas possibilidades que ela apresenta. Um aluno que tem o repertório cultural aguçado também desenvolve seu pensamento crítico e capacidade de abstração, entrando em contato com perspectivas diferentes da sua.
Dessa forma, a leitura é uma peça-chave para uma educação de qualidade, já que contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, aliada ao ensino. Questões como autonomia na busca por seus interesses, ética e justiça se tornam mais centrais durante o processo de aprendizagem, o que permite um aproveitamento maior do conteúdo, dentro e fora da sala de aula.
A intersecção dessas questões com a literatura negro-brasileira também deve fazer parte do projeto educacional da IES e de seus cursos. Ao incorporar obras de autores negros, os gestores e educadores promovem um ambiente mais aberto ao diálogo e mais receptivo aos estudantes negros.
A literatura negro-brasileira é uma forma de expressão artística rica e diversa, que apresenta a realidade e as questões enfrentadas pela população negra no Brasil. Ao incluir obras da literatura negro-brasileira no currículo universitário, é possível promover a conscientização sobre as desigualdades raciais e sociais que ainda persistem no país.
Além disso, a literatura negro-brasileira pode ser usada como meio para o diálogo e o debate sobre questões raciais, ajudando a construir uma sociedade mais inclusiva e justa.
Fonte de conhecimento e história
Outro ponto importante é que a literatura negro-brasileira é uma fonte de conhecimento e história sobre a cultura afro-brasileira. Ao incluir obras da literatura negro-brasileira no currículo universitário, é possível promover a valorização e a preservação da cultura afro-brasileira, que é fundamental para a compreensão da formação da sociedade brasileira.
Nesse sentido, a literatura negro-brasileira é uma forma de preservar a memória e a história dos antepassados africanos e de sua luta pela liberdade e igualdade.
A literatura negro-brasileira também pode ser usada como meio para o desenvolvimento de habilidades interpessoais e sociais, além da compreensão das diferenças culturais. Ao ler obras da literatura negro-brasileira, é possível entender as vivências e as perspectivas de personagens negros e desenvolver uma visão mais ampla e sensível sobre questões raciais e sociais.
Além disso, ao incluir a literatura negro-brasileira no currículo universitário, é possível fomentar a diversidade e a representatividade na formação acadêmica, dado que ela apresenta obras escritas por autores negros, que têm a oportunidade de expressar suas perspectivas e visões sobre o mundo. E pode, inclusive, ser inserida em sala de aula no contexto das metodologias inovativas de educação.
Como incentivar a literatura negro-brasileira em sua IES
Existem diversas formas de incentivar a literatura negro-brasileira em uma instituição de educação superior. Entre elas estão:
- Inclusão de obras da literatura negro-brasileira no currículo: ao incluir obras da literatura negro-brasileira nas disciplinas de literatura, história e sociologia, por exemplo,os docentes difundem esse segmento literário;
- Realização de palestras e debates: convidar autores, profissionais e acadêmicos para discutir e debater a literatura negro-brasileira é uma forma de fomentar o interesse e despertar o conhecimento sobre o tema;
- Projetos de extensão: se a IES possui projetos de extensão educativos, com trabalhos que envolvam ampliar a leitura na comunidade externa, que tal incluir mais autores negros? É uma forma de difundir as obras não apenas entre a comunidade acadêmica, mas também outros interessados;
- Exibição de filmes e conteúdo multimídia baseados em obras da literatura negro-brasileira: essas também são formas de destacar a literatura negro-brasileira para um público mais amplo e também de discutir questões raciais e sociais relacionadas à população negra no Brasil. Podcasts sobre literatura, por exemplo, abordam profundamente as obras lidas e auxiliam os alunos a extrair ainda mais da leitura;
- Capacitação de professores: ao oferecer capacitação e formação para professores sobre a literatura negro-brasileira, a IES incentiva a abordagem de maneira adequada e consciente dessas obras nas disciplinas.
O mais importante é que haja um comprometimento da instituição em valorizar e difundir essa produção literária, contribuindo para a formação de uma sociedade mais inclusiva e justa.
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Confira a seleção que preparamos para a sua IES:
- Clara dos Anjos, Lima Barreto;
- Úrsula, Maria Firmina dos Reis;
- A alma encantadora das ruas, João do Rio;
- Memorial de Aires, Machado de Assis;
- Cantares ao meu povo, Solano Trindade.
1. Clara dos Anjos, Lima Barreto
Escrita por Lima Barreto, “Clara dos Anjos” é um romance que relata a trajetória de Clara, uma jovem negra que se encanta por Cassi Jones, um homem branco e malandro que a seduz e comete abusos contra ela.
A obra trata de temas cruciais como o racismo, a violência contra as mulheres e a desigualdade social, fornecendo uma visão precisa da vida nas periferias do Rio de Janeiro no início do século XX.
2. Úrsula, Maria Firmina dos Reis
Publicado no século XIX, “Úrsula” é um romance histórico de autoria de Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira escritora a publicar um romance no Brasil.
A trama se passa no Maranhão, onde Úrsula, uma jovem negra, se apaixona por Tancredo, um homem branco. No entanto, o preconceito racial da sociedade da época impede que o amor entre eles prospere, e Úrsula é forçada a casar com Lourenço, um homem negro.
O livro aborda temas essenciais, tais como a escravidão, a discriminação racial e a luta pela liberdade e igualdade. Além disso, o romance apresenta uma análise crítica da sociedade da época e de seus costumes que perpetuam a desigualdade e a opressão. “Úrsula” é uma obra fundamental da literatura brasileira e representa uma contribuição importante para o movimento abolicionista e a luta contra o racismo.
3. A alma encantadora das ruas, João do Rio
Um livro de crônicas escrito por João do Rio, o pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, renomado escritor e jornalista brasileiro do início do século XX.
A obra é uma coleção de textos que retratam a vida nas ruas do Rio de Janeiro naquela época, colocando à frente temas como cultura popular, rotina urbana, vida noturna, tipos sociais e particularidades do cotidiano carioca.
As crônicas de João do Rio apresentam uma visão poética e impressionista da cidade, enfatizando a atmosfera e o ambiente das ruas, além da diversidade e complexidade da vida urbana. Ao mesmo tempo, o autor critica a corrupção, a desigualdade e a violência que assolavam o Rio de Janeiro naquela época.
João do Rio era negro e homossexual, o que o impediu de se tornar diplomata, considerando o preconceito da época. Em seu trabalho como jornalista, também contribuiu para o registro da expressão de religiões afro-brasileiras.
4. Memorial de Aires, Machado de Assis
O último livro de um dos autores mais marcantes da literatura brasileira, foi publicado em 1908. A obra é composta por uma série de crônicas escritas pelo personagem após a morte de sua esposa, a bela e jovem Fidélia.
Neste livro, Machado de Assis utiliza uma estrutura narrativa diferente de suas outras obras, já que o livro não segue uma ordem cronológica linear, mas sim as reflexões e memórias do Conselheiro Aires. O livro traz reflexões sobre temas como amor, morte, saudade e melancolia, e faz uma crítica à sociedade brasileira da época.
Embora o racismo não seja um tema central em “Memorial de Aires”, ele é apresentado de maneira sutil e indireta, por meio das relações entre personagens brancas e negros na sociedade brasileira do final do século XIX.
Como um autor negro, Machado de Assis frequentemente explorou questões relacionadas à discriminação racial em suas obras, e essa temática também pode ser identificada em “Memorial de Aires”, ainda que não seja o foco principal do livro.
5. Cantares ao meu povo, Solano Trindade
Solano Trindade foi um importante poeta, dramaturgo, ator e ativista cultural brasileiro. De Pernambuco, cresceu no Rio de Janeiro, onde se envolveu com a atividade cultural e política.
Foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro, que tinha como objetivo promover a cultura negro-brasileira e combater o racismo. Também foi criador da Casa da Cultura Afro-Brasileira, que se tornou um importante centro de estudos e difusão da cultura afro-brasileira.
Como poeta, Solano Trindade escreveu obras que exaltam a riqueza da cultura negro-brasileira, ao mesmo tempo em que denunciam a injustiça social e a discriminação racial.
Ao longo de sua história, a literatura brasileira foi marcada pela exclusão e marginalização de escritores negros, contribuindo para a falta de representatividade. Por isso, incentivar a leitura dessas obras nas instituições de educação superior (IES) é uma forma importante de combater o racismo estrutural e promover a diversidade cultural.
A leitura de obras de autores negros brasileiros pode trazer uma riqueza literária e cultural para o ambiente acadêmico. Com base nesse repertório, é possível promover a reflexão e o diálogo sobre as questões sociais, culturais e históricas relacionadas à vida de pessoas negras no Brasil.
Além disso, a inclusão dessas obras no currículo universitário contribui para a ampliação das perspectivas dos estudantes e, com isso, para uma formação mais crítica e consciente.
Portanto, é importante que as IES promovam a leitura de obras de autores negros brasileiros, por meio de programas de leitura, cursos, palestras e outros eventos que valorizem a produção literária desses escritores. É preciso garantir que essas vozes sejam presentes e promovidas no espaço de estudos.
E, então, gostou deste conteúdo sobre a importância do fomento da literatura negro-brasileira na educação? Continue acompanhando o nosso blog! Aproveite para conferir também o artigo que preparamos sobre a lacuna de autoridade ocasionada pela desigualdade de gênero.