Os limites da Constelação Familiar no Judiciário: abordagem crítica

Humberto Dalla e Marcelo Hugo, abordam as questões éticas e legais que envolvem a aplicação da Constelação Familiar no judiciário. Confira!
constelação familiar no judiciário: família feita em bonequinhos de papel

Por Humberto Dalla e Marcelo Hugo da Rocha

A Constelação Familiar — técnica psicoterapêutica que promete desvendar e curar traumas e conflitos sistêmicos — tem se expandido no judiciário brasileiro como um método alternativo para a solução de conflitos. No entanto, a aplicação dessa ferramenta no âmbito legal suscita debates acalorados, principalmente em relação aos seus limites e à sua efetividade.

Nesse artigo, os autores da Saraiva Jur, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Marcelo Hugo da Rocha, irão abordar as questões éticas e legais que envolvem a aplicação da Constelação Familiar no judiciário. Continue a leitura e confira!

A Constelação Familiar é o que temos para mediação no Judiciário?

Escrito por Marcelo Hugo da Rocha — Escritor, jurista, psicólogo e palestrante.

Em setembro de 2023, a revista Carta Capital publicou a seguinte manchete: “Tribunais de justiça no Brasil gastaram R$ 2,6 milhões com constelação familiar”. Segundo a matéria, este dinheiro foi gasto entre cursos, palestras e oficinas de constelação familiar para os servidores do Judiciário. 

A matéria teve grande repercussão e no mês seguinte, de acordo com o site Migalhas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou o julgamento sobre a prática da constelação familiar na Justiça brasileira. 

O voto do relator, Marcio Luiz Freitas, foi de proibir o seu uso, pois “A utilização desse tipo de prática, que tem estereótipo de família misógino e baseado em leis imutáveis, é algo que não pode ser adotado como política pública.” Em seguida, foi solicitada vista e até o momento não temos uma conclusão sobre o tema.

Em dezembro do mesmo ano, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), lançou uma nota técnica a respeito da confusão entre os termos “mediação” e “constelação familiar”, pois assim, a mídia em geral estava usando como sinônimos, observado “os riscos da constelação familiar, pseudociência muito popular no Brasil”.

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) já tinha lançado uma nota técnica em março de 2023 a qual destacava as “incompatibilidades no uso da constelação familiar como prática da Psicologia”. Ainda segundo a nota:

“A prática da Constelação Familiar viola ainda as diretrizes normativas sobre gênero e sexualidade consolidadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Isso porque reproduz conceitos patologizantes das identidades de gênero, das orientações sexuais, das masculinidades e feminilidades que fogem ao padrão hegemônico imposto para as relações familiares e sociais entre outras graves violações”.

Leia também: Saiba o que é diversidade familiar

Os riscos da Constelação Familiar no Judiciário

Como psicólogo e jurista, me indago: onde estão os outros 538.445 psicólogos, segundo o CENSO do CFP em junho de 2024, que estudaram no mínimo 5 anos para concluir a faculdade, têm profissão regulamentada e são fiscalizados por um conselho federal? Certamente não estão dentro do Judiciário nas sessões de mediação. 

Por outro lado, e os consteladores? Procure no Google “curso de constelação familiar” e você encontrará todo tipo de anúncio, incluindo cursos de final de semana e ofertas de compra instantânea — como “se comprar agora, pode levar outro grátis de coach”.

Esta é apenas uma parte do risco da Constelação Familiar dentro do Judiciário brasileiro e nem tratamos da pseudociência que representa, pois não é  nosso objetivo. Mesmo assim, dinheiro público tem sido esbanjado em eventos que promovem essa abordagem. 

Sem mensurar, ainda, o custo emocional que pode ocasionar aos participantes das sessões de mediação, pois depois que apagam as luzes, quem acompanhará os efeitos colaterais do impacto das dramatizações e da revivência de traumas?

Enquanto isso, colegas advogados devoram livros de Psicologia para trabalharem melhor com clientes e causas e para evitar que caiam na vala comum do litígio. Não tenho dúvidas que a mediação perpassa necessariamente pela psicologia, como em todas as áreas de nossas vidas. 

Então, qual motivo para insistir num caminho polêmico e inseguro se temos meio milhão de psicólogos e psicólogas no país? Só posso concluir, portanto, com outra pergunta: a quem verdadeiramente interessa a constelação familiar?

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Acordos familiares

Escrito por Humberto Dalla Bernardina de Pinho Professor de Direito Processual Civil e Desembargador do Tribunal de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.

No âmbito do código processual civil (CPC), o legislador de 2015 optou por reunir sob única rubrica as ações relacionadas às matérias de direito de família. Tal escolha se justifica dadas as peculiaridades desse ramo do Direito Civil, especialmente no que tange à complexidade das relações afetivas que ocorrem no âmbito familiar e seus potenciais efeitos sobre a esfera existencial do ser humano. 

Busca-se, assim, uma unificação procedimental voltada a tratar, com a sensibilidade necessária, as controvérsias relacionadas a essa seara jurídica. Criaram-se, para tanto, medidas voltadas a mitigar a beligerância natural dos conflitos familiares, estimulando-se, com grande ênfase, a autocomposição dos litígios (art. 694).

Como funcionam as ações de família?

As chamadas ações de família englobam as causas concernentes a: divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação, quando se derem por meio de procedimento de jurisdição contenciosa (art. 693).

Não havendo pretensão resistida, aplicar-se-ão, naturalmente, as normas relativas aos procedimentos de jurisdição voluntária. 

A ação de alimentos e as que envolvam o interesse de criança e adolescente permanecem reguladas por lei própria, respectivamente, a Lei n. 5.478/68 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conforme o parágrafo único do art. 693.

As ações de família são deflagradas por petição inicial, que deve atender aos requisitos dos arts. 287, 319 e 320, sem especificidades. Recebida a inicial, o juiz apreciará eventual pedido de tutela provisória e mandará citar o réu, pessoalmente, para audiência de mediação e conciliação, com antecedência mínima de quinze dias. 

O mandado de citação não será instruído de cópia da inicial. Trata-se de medida voltada a estimular a composição antes da ciência dos termos da ação proposta, tendo em vista que o conhecimento deles pode estimular um clima hostil entre as partes. A partir daí, elas devem comparecer em audiência acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos (art. 695, § 4º). 

Tal audiência pode ser dividida em quantas partes forem necessárias à conciliação ou à mediação. Podendo o magistrado, até mesmo, sobrestar o processo, a requerimento das partes, enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar (art. 694, parágrafo único).

Conheça a obra “Manual de Mediação e Arbitragem”

Ficou interessado em saber mais sobre o tema? Então você precisa conhecer o livro Manual de Mediação e Arbitragem. Uma obra completa, que proporciona um novo e mais profundo olhar sobre a temática dos meios extrajudiciais de soluções de controvérsias e de conflitos. 

Atualmente, entende-se que há um microssistema de métodos adequados de resolução de conflitos, composto pelas seguintes normas: 

  • Lei n. 13.140/2015 — Marco Legal da Mediação;
  • Resolução n. 125/2010 do CNJ,
  • Lei n. 13.105/2015 — Código de Processo Civil; e 
  • Lei n. 9.307/96 — Lei de Arbitragem, reformada pela Lei n. 13.229/2015.

Vale registrar que, em abril de 2016, o Conselho Nacional de Justiça editou a Emenda n. 2, a qual atualizou a Resolução n. 125/2010 e a compatibilizou com o CPC e com a Lei de Mediação, além de ter estabelecido o Código de Ética de Mediadores e Conciliadores Judiciais (Anexo III).

Além disso, por força da Resolução CNE/CES n. 5/2018, oriunda do Parecer n. 635/2018, homologado pela Portaria n. 1.351/2018 do MEC, a conciliação, a mediação e a arbitragem tornaram-se disciplinas obrigatórias nas grades curriculares dos cursos de Direito de todo o país.

Nesse contexto, os autores foram habilidosos em identificar esse hiato doutrinário, e avançaram, com firmeza, em muitos desses temas. Prestigiando a didática necessária a um Manual, não se furtam às controvérsias, mas as elaboram com posições consistentes e objetivas. Confira no site da Editora do Direito e nas melhores livrarias!

Esperamos que você tenha gostado de conhecer um pouco mais sobre os desafios da aplicação da Constelação familiar no judiciário. Continue no blog, e descubra quais são os  fundamentos e princípios da Constitucionalização do Processo Civil!

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