O impacto dos contratos de adesão no mercado de consumo

É de adesão, mas ainda é um contrato! Saiba como os contratos de adesão impactam na compra de produtos e serviços no mercado de consumo.
Contrato de adesão: casal assistindo à televisão

*Por Prof. Dr. Brunno Pandori Giancoli 

Todos os brasileiros e brasileiras têm em comum um sonho há anos: ter um carro para chamar de seu. Lógico que existem aqueles loucos por carros e outros que não dão muita importância. Mas não dá para negar que é uma sensação única comprar o primeiro carro zero. Não tem como esquecer aquele cheirinho delicioso de carro novo.  

Eu tive a sorte de ter essa emoção quando tinha vinte anos (já faz um bom tempo que isso aconteceu). Mais ou menos a mesma idade do João — um nome fictício para ilustrar nossa história). João é um jovem profissional recém-formado que juntou um dinheiro para, finalmente, comprar a “caranga” que ele tanto sonhava. 

Após meses de pesquisa, ele encontrou exatamente o que ele queria. Animado, foi até a concessionária para fechar negócio. Na euforia do momento, João assinou um contrato de financiamento sem ler todas as cláusulas. 

Meses depois, quando começou a enfrentar problemas financeiros, descobriu que estava preso a condições extremamente desfavoráveis, com juros abusivos e multas altíssimas por atraso. Infelizmente essa não é somente a história do João. É sim uma história comum que se repete todos os dias. João é mais uma vítima dos efeitos do contrato de adesão.

Sendo assim, os contratos de adesão são capazes de moldar as relações entre fornecedores e consumidores. A combinação de legislação clara, fiscalização eficaz, educação do consumidor e o desenvolvimento de ferramentas que facilitem a compreensão dos contratos são essenciais para garantir a proteção dos consumidores e a sustentabilidade do mercado de consumo.

Neste artigo, vamos entender as especificidades do contrato de adesão. De modo que, a compreensão dos desafios e oportunidades gerados por esses contratos é fundamental para a construção de um mercado mais justo e equilibrado, onde os direitos dos consumidores sejam efetivamente protegidos. Confira! 

O que é um contrato de adesão?

Os contratos de adesão são amplamente utilizados no Brasil, especialmente em setores como telecomunicações, bancos, seguradoras e compras de veículos, e muitas vezes impõem condições que o consumidor só descobre quando é tarde demais. 

Mas o que é um contrato de adesão? A resposta para esta pergunta nos encontramos no art. 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): 

“contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

Um contrato de adesão é imposto ao consumidor pelo fornecedor sem que o primeiro tenha espaço para negociação ou para discutir o seu conteúdo. Ao consumidor resta apenas a opção de aceitar ou recusar as condições impostas.  

Características do contrato de adesão

Os contratos de adesão possuem algumas características que os tornam distintos de outros tipos de contratos: 

  • Padronização: as cláusulas são pré-definidas pelo fornecedor e pela autoridade competente, sem participação do consumidor na elaboração. Todos os consumidores, na prática, assinam o mesmo contrato, com mínimas variações de conteúdo.
  • Unilateralidade:  O consumidor não tem a opção de discutir ou alterar a essência do conteúdo contratual. Ele é definido de forma unilateral pelo fornecedor e/ou autoridade reguladora.

Os contratos de adesão representam a regra nas contratações no mercado de consumo. São raras e exóticas as situações nas quais o consumidor efetivamente negocia o conteúdo do contrato com o fornecedor de um produto ou serviço. 

Dada a restrição na capacidade negocial do consumidor, o CDC e outras normas de Defesa do Consumidor estabeleceram regras para que esta modalidade possa ser utilizada sem riscos aos interesses dos consumidores. 

Leia também: Tudo o que você precisa saber sobre o contrato de prestação de serviços 

Banner Vade Mecum Saraiva 38ª Edição: clique para acessar!

Como o CDC protege o consumidor contra cláusulas abusivas?

Um dos pilares da proteção ao consumidor em contratos de adesão é o princípio da transparência. Ele está previsto expressamente no rol dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo (Arts. 4º, caput e 46 do CDC).

Isso significa que os fornecedores de produtos e serviços são obrigados a fornecer informações claras, precisas e em linguagem acessível sobre os termos do contrato. 

Devem ainda, sob pena de nulidade, garantir aos consumidores a oportunidade de tomar conhecimento prévio do conteúdo do contrato que vão se submeter afastando qualquer estratégia contratual que, de alguma forma, dificulte a compreensão e o alcance das cláusulas e disposições contratuais 

Além da transparência dos contratos de adesão, o CDC garante aos consumidores a possibilidade de revisão e modificação de cláusulas e disposições contratuais, que estabeleçam prestações desproporcionais, ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. 

Isso é especialmente importante em contratos de adesão, onde o poder de barganha do consumidor é praticamente inexistente. Casos recentes mostram como os contratos de adesão podem impactar negativamente os consumidores. 

Um exemplo notável é a multa de R$ 11 milhões aplicada à Netflix pelo Procon de Minas Gerais. A empresa foi penalizada por alterações unilaterais nas condições contratuais, sem a devida comunicação clara aos consumidores. 

Essa situação evidencia como grandes corporações podem usar contratos de adesão para impor condições desfavoráveis, muitas vezes sem que o consumidor perceba. Esses contratos, por serem padronizados e massificados, dificilmente são lidos em detalhe pelos consumidores, que acabam se surpreendendo quando problemas surgem. 

Outro exemplo são os contratos de telefonia e internet, que frequentemente contêm cláusulas que limitam a responsabilidade da empresa em caso de falhas no serviço, ao mesmo tempo que penalizam o consumidor por qualquer atraso ou inadimplência. 

Confira: O que são contratos empresariais? Conheça 7 livros para se aprofundar no tema

Conheça o livro “Curso de Direito do Consumidor”

Curso de Direito do Consumidor é a obra definitiva, com conteúdo completo e abrangente, elaborada por duas das maiores referências na área e que possuem grande experiência como professores e advogados. 

O resultado é a combinação perfeita entre a melhor doutrina com a prática profissional. Os autores, Marco Antonio Araujo Junior e Brunno Giancoli, também se preocuparam em trazer os principais posicionamentos dos Tribunais. 

Além disso, a organização e estrutura da obra proporcionam um estudo dinâmico e objetivo. Ao longo da exposição da matéria, há quadros contendo dicas e tópicos que merecem a atenção do leitor.

Dentre os principais temas, destacam-se: 

  • relação jurídica de consumo; 
  • direitos básicos do consumidor; 
  • nocividade e periculosidade dos produtos e dos serviços; 
  • responsabilidade civil pelo fato e pelo vício do produto e do serviço; 
  • prescrição e decadência no Código de Defesa do Consumidor; 
  • proteção contratual; 
  • tutela administrativa, penal e processual do consumidor; e 
  • convenção coletiva de consumo. 

Em sua 6ª edição, a obra conta ainda com importantes atualizações, como o Decreto n. 11.034/2022, que regulamenta o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), e uma análise detalhada da Lei n. 14.181/2021, Lei do Superendividamento. Não deixe de conferir! 

Como se proteger de cláusulas abusivas?

Embora os contratos de adesão sejam uma realidade inevitável em muitos setores, existem algumas medidas que os consumidores podem adotar para se proteger:

1. Sempre leia o contrato antes de assinar
2. Pesquise o fornecedor do produto ou serviço
3. consulte um profissional

1. Sempre leia o contrato antes de assinar

Mesmo que pareça longo e complexo, é fundamental ler o contrato antes de assinar. Preste especial atenção às cláusulas que tratam de juros, multas e condições de cancelamento. E na dúvida consulte um advogado ou advogada para uma orientação jurídica mais detalhada. 

2. Pesquise o fornecedor do produto ou serviço

Antes de contratar um serviço ou comprar um produto, pesquise sobre a reputação da empresa. Verifique se há reclamações recorrentes sobre cláusulas abusivas ou problemas contratuais. 

Um instrumento importante é a plataforma consumidor.gov.br de acesso público e gerida pelo Estado. Qualquer pessoa pode realizar pesquisas e avaliar a forma de atuação de uma determinada empresa. 

3. Consulte um profissional

Se você tiver dúvidas sobre o contrato, consulte um advogado. Embora isso possa representar um custo adicional, pode evitar problemas maiores no futuro. Aqui vale o famoso adágio popular: “é melhor prevenir do que remediar”.

Os contratos de adesão são uma parte integrante das relações de consumo no Brasil. Embora proporcionem praticidade e padronização para as empresas, eles também podem representar armadilhas para os consumidores, especialmente quando contêm cláusulas abusivas ou são redigidos de forma a dificultar a compreensão. 

A proteção do consumidor, garantida pelo Código de Defesa do Consumidor, é fundamental para equilibrar essa relação desigual, mas cabe também ao consumidor ser proativo, informando-se e exigindo seus direitos. 

Lembre-se, como no caso de João, que a assinatura de um contrato sem a devida leitura e compreensão pode ter consequências duradouras e prejudiciais. Esteja sempre atento, informe-se e proteja-se! 

Esperamos que você tenha gostado de conhecer mais sobre o contrato de adesão. Agora, continue no blog e descubra como funciona o direito de arrependimento nas relações de consumo!

*Brunno Pandori Giancoli: Advogado, doutor em Direito Político e Econômico, professor na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie nas disciplinas de Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Empresarial e Carreira & Gestão Jurídica, e consultor jurídico em estratégias empresariais e gestão de risco.

Você também pode gostar

Pesquisar

Artigos em destaque