Por Aline Fachinetti, Rafael Marques e Tatiana Coutinho
Há uma revolução acontecendo no mundo jurídico. Uma transformação que rompe as barreiras tradicionais e desafia a ideia (antiga e espera-se, a cada dia mais, superada) de que o direito deve ser impenetrável, técnico, extremamente formal e distante do cotidiano.
Essa revolução é impulsionada por uma abordagem conhecida como Legal Design, que traz o design como ferramenta para repensar e humanizar a forma como o direito é comunicado e experimentado.
Neste artigo vamos abordar os benefícios do legal design, além de como ele pode ser aplicado em estratégias de proteção de dados pessoais para tornar políticas, termos e documentos legais mais acessíveis e compreensíveis. Continue a leitura e confira!
Como surgiu o legal design?
Se antes as leis e documentos jurídicos eram estruturados apenas para advogados e especialistas, agora eles podem ser projetados para todos — em linguagem acessível, visual e centrada no usuário/destinatário daquela informação.
O Legal Design não é sobre estética superficial ou apenas tornar documentos mais bonitos. É uma metodologia que se baseia em princípios do design thinking para colocar as necessidades das pessoas no centro das soluções jurídicas, criando um sistema mais intuitivo e inclusivo.
Esse movimento começou a ganhar força nos anos 2010, com o trabalho pioneiro de Margaret Hagan, professora da Stanford University e diretora do Legal Design Lab.
Hagan foi uma das primeiras a reconhecer o potencial do design como meio para transformar a prática jurídica, não apenas tornando-a mais clara, mas também mais empática e centrada no ser humano.
Inspirada por técnicas de UX (experiência do usuário) e design de serviços, à Hagan é atribuída a introdução do termo “Legal Design”, aplicando-o a uma série de projetos para simplificar o direito e torná-lo mais acessível para quem realmente precisa entendê-lo: as pessoas.
O conceito trouxe um novo fôlego ao direito, integrando advogados, designers e especialistas em tecnologia em um esforço colaborativo para reimaginar a experiência jurídica. A ideia é que o direito, quando desenhado para o usuário final, pode e deve ser claro, compreensível e acessível.
Assim, o Legal Design não só desafia a estrutura tradicional do sistema jurídico, mas também propõe uma nova visão de justiça, onde todos (incluindo advogados, juízes e cidadãos) têm a oportunidade de entender e participar ativamente.
Mas o que é legal design?
O legal design é uma abordagem que utiliza técnicas de design thinking para ajudar a repensar questões e documentos jurídicos, fazendo com que funcionem melhor.
Em vez de textos longos e cheios de jargões, o legal design transforma a comunicação com o usuário, utilizando também ferramentas visuais, como ícones, fluxogramas e tabelas — elementos de visual law — que ajudam a tornar a leitura mais prática e amigável.
No contexto de proteção de dados, o legal design é especialmente relevante, pois garante que os usuários compreendam como seus dados são tratados, quais direitos eles possuem e como podem exercer esses direitos. Mais do que facilitar a leitura, o legal design cumpre um papel de transparência e responsabilidade.
E falando em um ambiente responsivo relacionado ao tratamento de dados pessoais, podemos dizer que aplicar o design thinking à área de privacidade e proteção de dados pessoais transforma a maneira como abordamos a criação de avisos, políticas e soluções diretas que instruem o formato que efetivamente os dados são tratados.
Portanto, a metodologia do legal design perpassa por entender as necessidades e preocupações dos usuários, colocando-os no centro de todo o processo. Assim, é possível garantir que suas experiências sejam priorizadas antes de se pensar em soluções práticas e inovadoras.
Deste modo, a empatia é um valor essencial que permeia todas as etapas, ao lado da colaboração entre equipes e da experimentação constante. Podemos dizer que o processo de construção do design thinking se mostra em etapas, quais sejam:
1. Imersão
2. Ideação
3. Prototipação
4. Implementação
1. Imersão
Nesta fase podemos incluir o aprofundarmos e conhecimentos sobre o projeto e suas funcionalidades. Por isso, a elaboração de uma análise SWOT, levantamento de dados e comentários dos clientes são etapas fundamentais.
2. Ideação
Aqui todos os envolvidos devem de forma organizada promover a apresentação de suas ideias, inclusive, indicando pontos que precisam de melhorias e ou desenvolvimento. Toda ideia é válida, não despreze os pontos de vista contrários. Reúna e tenha dados para conseguir partir para próxima etapa.
3. Prototipação
Com base nas ideias e ajustes realizados, devemos destacar aqueles que efetivamente demonstram verdadeiras oportunidades. E então se inicia a construção de modelos e testes, reduzindo os erros gerando valor aos projetos, tornando-os efetivos e assertivos.
4. Implementação
Com base em todos os testes e ajustes realizados, surge a oportunidade de levar o projeto ao público externo e ao mercado. Para isso, é essencial estabelecer uma estratégia de comunicação, além de desenvolver as documentações e políticas que sustentam este projeto.
Com todas essas ferramentas, pode-se dizer que integrar o Design Thinking na gestão de projetos de privacidade acelera o desenvolvimento de políticas e práticas mais eficazes e gera resultados mais satisfatórios tanto para os usuários quanto para as empresas.
Dessa maneira, não apenas se atendem às exigências legais, mas constrói-se uma relação de confiança com os clientes, posicionando a privacidade como um diferencial estratégico e um compromisso com o respeito ao indivíduo.
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Legal design e regulamentações: GDPR e LGPD
Como comentamos, o Legal Design pode ser muito bem aproveitado em áreas específicas, como a da privacidade e proteção de dados pessoais.
Por exemplo, na Europa o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês) reconhece a importância do legal design nos seus considerandos. Recomenda-se que as informações sobre privacidade sejam claras e acessíveis — indicando o uso de recursos visuais para isso.
Na prática, isso significa que o uso de uma linguagem simplificada. A aplicação destes recursos visuais, são formas legítimas de tornar os documentos mais transparentes e adequados à experiência do usuário.
Aqui no Brasil, com a nossa Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), também seguimos essa linha. A lei brasileira reforça que as empresas devem garantir transparência na coleta e no uso dos dados, incentivando que as informações sejam apresentadas de maneira simples, completa e acessível para o público.
Mas, para cumprir e efetivar a lei, a transparência precisa funcionar. Com essa demanda, o legal design surge como uma excelente solução para que as empresas estejam em conformidade com a LGPD ao mesmo tempo em que promovem clareza e confiança.
Além disso, a LGPD traz também situações mais específicas relativas ao tratamento de dados de crianças. Neste contexto, as informações precisam ser apresentadas considerando todas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário.
Deste modo, a questão do uso de recursos audiovisuais é apresentada como forma de adequar as informações legais ao entendimento da criança.
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Casos de sucesso no Brasil
No Brasil, temos diversos cases de empresas que adotaram técnicas de legal design para aprimorar a proteção de dados e se aproximar dos titulares de dados.
Diversas empresas brasileiras de tecnologia, telecomunicações e até bancos estão repensando suas políticas de privacidade (e outros documentos, internos ou externos) com o legal design para facilitar o entendimento dos clientes.
Com isso, estão conseguindo aumentar a satisfação e reduzir a quantidade de reclamações e dúvidas relacionadas a questões de privacidade e proteção de dados.
Esses cases nacionais mostram que, ao adotar o legal design, as empresas podem não só aumentar a conformidade com a LGPD, mas também têm a oportunidade de inspirar mais confiança. Isso é especialmente relevante em um momento em que a privacidade e o uso responsável dos bancos de dados são temas de grande interesse do público.
Benefícios do Legal Design na proteção de dados
O uso do legal design em documentos de privacidade e proteção de dados pode trazer inúmeros benefícios, tanto para as organizações quanto para os titulares de dados. Confira os principais:
1. Transparência que gera confiança
2. Conformidade efetiva: reforço da responsabilização
3. Engajamento e proximidade com o público-alvo
1. Transparência que gera confiança
Com o legal design, as empresas mostram comprometimento com a transparência. Documentos claros e bem estruturados ajudam as pessoas, titulares de dados, a entenderem seus direitos e as práticas da empresa em relação aos dados, o que gera confiança.
2. Conformidade efetiva: reforço da responsabilização
Ao estruturar políticas e documentos de forma acessível, as empresas conseguem demonstrar de forma prática a conformidade com regulamentações como a LGPD e
o GDPR. Isso reduz o risco de penalidades e ajuda a empresa a construir uma imagem de responsabilidade e transparência.
3. Engajamento e proximidade com o público-alvo
Documentos acessíveis aumentam o engajamento do público-alvo, pois se sente respeitado e valorizado ao receber uma comunicação clara. Políticas de privacidade amigáveis incentivam uma relação de longo prazo e mais segurança para o cliente e outros stakeholders.
Como aplicar o Legal Design na proteção de dados
Implementar o legal design não é só reorganizar visualmente o conteúdo; é também repensar a experiência do usuário ao ler documentos jurídicos. Aqui estão alguns passos para aplicar essa prática com sucesso:
1. Conheça seu público
2. Simplifique a linguagem
3. Integre recursos visuais
4. Teste com usuários reais
1. Conheça seu público
Mapear o perfil do destinatário da mensagem e suas necessidades é essencial para criar documentos que realmente se conectem com eles.
Uma política de privacidade voltada a jovens, por exemplo, pode ter um tom e formato diferente de uma voltada para o público corporativo. Entender essas necessidades facilita a criação de conteúdo tornando-o mais relevante e direto.
2. Simplifique a linguagem
Evite jargões legais e traduza termos complexos para uma linguagem clara e acessível. Em vez de “base legal para o tratamento de dados”, por exemplo, pode-se usar “por que precisamos dos seus dados”. Isso ajuda o titular a entender facilmente o que está lendo.
3. Integre recursos visuais
O uso de ícones, tabelas e fluxogramas torna o conteúdo mais interessante e fácil de seguir. Um fluxograma, por exemplo, pode mostrar a trajetória dos dados, desde a coleta até o armazenamento. Elementos visuais também facilitam a localização das informações mais importantes.
4. Teste com usuários reais
O legal design é um processo contínuo, e o feedback dos usuários é fundamental para
garantir que o conteúdo esteja realmente acessível. Teste o documento com o público-alvo, colete insights e faça ajustes com base nas observações dos leitores.
Exemplos de legal design na prática
Empresas que já aplicaram o legal design em suas políticas de privacidade e proteção de dados apresentam algumas práticas úteis que podem ser seguidas:
- Resumos em tópicos e ícones: ao lado de cada seção, inclua ícones que simbolizem o conteúdo, como “seus direitos” e “como protegemos seus dados”.
- Mapas de privacidade: organize o ciclo de vida dos dados em um mapa visual, facilitando o entendimento de cada etapa.
- Seções de perguntas frequentes (FAQ): seções de FAQ ajudam a esclarecer rapidamente as dúvidas mais comuns, com uma linguagem ainda mais acessível.
- Disposição das informações: pense no momento em que cada informação é apresentada. O timing da informação, na jornada da pessoa pelo documento ou interface, faz toda diferença.
Conheça o livro Privacy Operations
Se você quer se aprofundar no tema e conhecer estratégias práticas para proteger os dados de maneira mais acessível, o livro Privacy Operations é uma leitura essencial. Com uma abordagem prática, o livro traz insights valiosos sobre diversos aspectos da operacionalização eficaz e com eficiência na proteção de dados.
Coordenado por Aline Fuke Fachinetti, Rafael Marques, Tatiana Coutinho e Tayná Carneiro, o livro oferece uma excelente oportunidade para empresas e profissionais se capacitarem no aprimoramento de suas práticas de privacidade e proteção de dados pessoais.
Publicado pela Saraiva Jur, o livro conta também com selo Future Law. Ao reunir diversos especialistas renomados do Brasil na área, trata-se de uma obra completa que aborda como aplicar o legal design e outras práticas recomendadas. Não deixe de conferir!
Esperamos que você tenha gostado de conhecer os benefícios do Legal Design, e que ele te ajude a transformar a suas práticas de comunicação jurídica. Agora, continue no blog e descubra os desafios e possibilidades com o uso da inteligência artificial no Direito.